Natália Lambert
postado em 26/09/2016 06:00
O país relembra, na quinta-feira desta semana, a segunda maior tragédia da aviação brasileira. Em 29 de setembro de 2006, o boeing 737 da companhia aérea Gol colidiu no ar com o jato Legacy-600 e caiu na floresta Amazônica, em Mato Grosso. A data virou um marco para a vida de 154 famílias, que esperam que o sofrimento delas tenha servido de exemplo para que outras tragédias não se repitam. Entre os problemas escancarados com o desastre, estava a precariedade do tráfego aéreo brasileiro.
De acordo com o diretor técnico do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Voo, Hernandes Pereira, a única coisa que mudou na última década foi o desenvolvimento tecnológico, que permitiu ao setor aumentar a capacidade de fazer mais voos ; e a média de crescimento por ano é de 10%. ;Em relação a recursos humanos, só piorou. O plano de carreira dos controladores de voo nunca saiu e a carga horária continua a mesma. As condições de trabalho são péssimas. O tráfego aéreo é uma caixa preta dentro desse sistema;, comenta o profissional, já aposentado. A carga horária da categoria é de 160 horas mensais.
Um piloto de uma grande companhia com mais de 15 anos de experiência, que prefere não se identificar, concorda. Para ele, houve mudanças em relação aos equipamentos e à quantidade de controladores, mas há uma queda brutal na qualidade. ;Está cada vez mais difícil encontrar um controlador que passe segurança nas informações. Alguns mal conseguem falar inglês.; Hernandes vai mais longe ao criticar a excessiva dependência em relação à tecnologia. ;Se os sistemas falharem, a maioria ali não vai saber o que fazer;, diz.
Sem relaxar
O diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), tenente-brigadeiro Aquino, afirma que o setor vive uma relativa tranquilidade, ;relativa porque não podemos relaxar;. Segundo ele, ao se comparar cenários, o número de controladores cresceu cerca de 50% nos últimos 10 anos, mas o tráfego aéreo aumentou em 68% desde 2008. ;Ou seja, numericamente, temos menos controladores.;
O brigadeiro comenta que o acidente com a Gol foi uma fatalidade e que, em tese, de lá para cá, nada significativo mudou, porque o sistema, segundo ele, sempre foi adequado à demanda. ;A gente está sempre fazendo ajustes pontuais para evoluir. O importante é conhecer o que aconteceu e evitar que a falha vire um acidente.;
[SAIBAMAIS]Wilton Sampaio, que foi piloto por mais de 50 anos, conta que notou uma evolução no sistema pós-acidente, especialmente depois das recomendações que surgiram após o relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). ;Além da tecnologia, os pilotos e os controladores passaram a ter mais atenção. O erro ensinou a todos.; O coronel-aviador Roberto Fernandes Alves, vice-chefe do Cenipa, acredita que muito se evoluiu, especialmente em termos de investigação. ;A gente aprende muito com essas tragédias. Infelizmente, é um aprendizado com dor, mas ele faz a lição fixar melhor na prevenção;, acrescenta.
Aprendizado
Além de mudanças pontuais no sistema de tráfego aéreo, parentes das vítimas esperam que os órgãos governamentais tenham entendido que é necessário atender bem as pessoas nesses momentos. A psicóloga Neusa Machado, que perdeu o marido, Valdomiro Machado, no acidente, conta que um dos principais problemas foi a atenção das autoridades. ;A gente vivia implorando para que nos recebessem e só nos recebiam quando eram pressionados. O que mais nos fez sofrer foi realmente o descaso das autoridades em nos dar apoio. Fora o Cenipa e o Ministério Público, que nos ajudaram muito, o resto, ninguém. Direitos humanos, ninguém.;
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Tia de Átila Assad, também morto no acidente, Salma Assad acredita que a sociedade ficou mais atenta aos seus direitos depois da tragédia. ;Virou um marco na vida de todos nós. Como cidadãos, temos que levantar a cabeça, engolir seco, buscar saber com quem falar e exigir. Se as autoridades estão ali para isso, têm que descer do pedestal. Não é ficar dentro de uma sala olhando papéis, não;, comenta.
Procurada, a Gol preferiu não comentar o assunto e enviou uma nota, em que presta solidariedade aos familiares das vítimas. ;Nesses 10 anos, carregamos o nosso pesar e solidariedade aos familiares e amigos das vítimas do acidente com o voo 1907 em 29 de setembro de 2006. Essa data será para sempre lembrada por nós com profunda tristeza.;
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