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TJSP anula condenações de policiais acusados do Massacre do Carandiru

No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo



Durante o seu voto, o relator, desembargador Ivan Sartori, classificou o processo que resultou nas condenações de ;revoltante;. Na avaliação dele, houve falha ao identificar quais foram a condutas dos policiais ao entrarem no presídio. ;Nesse processo não se sabe quem matou quem, quem fez o quê;, disse, exaltado, ao apresentar sua posição. ;Como julgador, nunca vi processo tão kafkaniano;, disse em referência ao escritor tcheco Franz Kafka, que retrata de forma surrealista o absurdo da burocracia jurídica.

Ao mencionar diversos depoimentos, Sartori destacou que há provas de que em vários momentos foram encontradas armas dentro do Carandiru, o que vai ao encontro da versão de que os policiais reagiram a tiros disparados pelos detentos. Por isso, o magistrado também defendeu a tese de que não houve um massacre, mas que os policiais, na maioria, agiram em legítima defesa, obedecendo a ordens hierárquicas.

Nesse sentido, o desembargador Edison Brandão defendeu a legitimidade da ação contra os presos rebelados. ;Não era um exército de extermínio, era uma força militar-policial;, ressaltou durante seu voto.

Perícia

O revisor do caso, desembargador Camilo Léllis, lembrou os problemas da perícia, em especial a balística, para verificar a origem dos tiros que mataram os presos. ;A perícia foi muito malfeita. Uma perícia duvidosa;, enfatizou. O magistrado reconheceu, entretanto, que os policiais passaram do limite. ;O excesso não se pode negar: 111 presos mortos, nenhum policial.;

Na ocasião, os projéteis retirados dos corpos das vítimas ficaram guardados, uma vez que o Instituto Médico-Legal alegou que não tinha meios para fazer aquele número de análises. ;Verifiquei que não houve interesse do governo de que se realizasse essa perícia. Porque bastava ter adquirido um equipamento mais moderno, em vez de se gastar em propaganda;, ressaltou Léllis ao acusar o governo estadual de não ter se esforçado para solucionar o caso.

A análise balística nunca chegou a ser feita. ;Os projéteis apreendidos sumiram de dentro do fórum;, lembrou a advogada de parte dos réus, Ieda Ribeiro de Souza. Para ela, os policiais acabaram sendo condenados diante da incapacidade de responsabilizar os comandantes da operação. ;Já que nós não conseguimos pegar o culpado real, que é o governador Fleury Filho [governador à época], vamos pegar o elo mais fraco;, disse ao pedir a anulação dos julgamentos.

Acusação

A procuradora Sandra Jardim rebateu alguns dos pontos técnicos levantados pela defesa, que acabaram rejeitados pelos desembargadores, e destacou os elementos que apontam abusos da ação policial. Segundo ela, muitos foram mortos sem roupas no interior das celas. ;Quando os presos já estavam desarmados, acuados e rendidos;, ressaltou a representante do Ministério Público.

Sandra ainda acusou os policiais de tentar eliminar as provas dos crimes. ;Nenhum projétil ou estojo vazio foi encontrado no local;, afirmou, com base nos depoimentos colhidos durante o processo.

Em ocasiões anteriores, o ex-governador se manifestou sobre o assunto. Fleury explicou que os fatos ocorreram na véspera das eleições municipais e que, no dia, ele estava em Sorocaba, no interior do estado, em campanha com um candidato da cidade. Fleury disse que foi informado sobre uma rebelião em São Paulo, mas que ;as coisas estavam sob controle;.