Ana Dubeux
postado em 30/10/2016 10:25
Eu poderia não ter embarcado naquele avião que me trouxe a Brasília no segundo semestre de 1987. Ou ter desistido de ficar naquela que era uma cidade fria, seca e pouco acolhedora. Eu poderia não ter insistido em ligar incansavelmente, todos os dias, para Renato Riella, brigando por uma vaga de repórter temporário no Correio em dezembro do mesmo ano em que cheguei. Poderia não ter namorado com o rapaz de olhos miúdos e sorriso encantador que me levava quase todas as noites para passear de moto no Eixão.Poderia não ter ido à sucursal do Jornal do Brasil pedir emprego a Ricardo Noblat, não ter aceitado os bons conselhos dele de conhecer verdadeiramente a cidade na kombi de um jornal local antes de querer cobrir a Constituinte. Também poderia não ter ido para o jornal BSB Brasil, não ter casado com o pai dos meus filhos e não ter trocado aquele carnaval de Olinda por um Pacotão hostil e cheio de fofoqueiros de plantão. Ainda poderia não ter ido trabalhar no Jornal de Brasília e ter escrito por seis anos a coluna Plano Geral ou ainda não ter voltado ao Correio uma década depois, num insano dezembro de tantas matérias. Poderia não ter assinado a coluna Metrópole.
Eu poderia não ter feito tantas coisas... Mas fiz. E então me tornei o que sou. Em determinados momentos da vida, o olhar para trás, embalado por Nina Simone e a canção Ain;t Got No, I Got Life, um hino de resiliência, coragem e atitude, é, para mim, essencial para pavimentar a caminhada adiante. Sem arrependimentos ou culpas tardias, são as nossas escolhas que forjam a nossa identidade. Se faço esse retrospecto, é apenas para dignificar minha história, aproveitando para honrar uma mulher arrebatadora como Nina Simone.
A minha opção por Brasília e pela minha profissão foi a mais certa que fiz na vida. Penso nisso diariamente, quando saio para caminhar no parque ou no Eixão. Ou quando piso no jornal que tornou-se uma casa. Mais ou menos calorosa, mais ou menos problemática, mais ou menos intensa, não há um só dia que esta morada não tenha se tornado, do dia para a noite, um desafio estratosférico.
Muitos perguntam-me como sobrevivo, assim como tantos jornalistas, nesta labuta diária. Digo que nasci para isso, que não me vejo fazendo nada diferente e que fiz da minha profissão uma ponte para o mundo. Por ela, conheci pessoas, cidades, países, leitores, artistas, gurus, padres, presidentes, autoridades, embaixadores (sim, gosto de tirar fotos com todos eles na redação). Também conheci e reconheci sentimentos e sensações. Admiração, tesão, tensão, paixão, amor, gratidão, espanto, traição, emoção, tantos que nem sei dizer.
Aqui em Brasília, aprendi que somos capazes de amar e odiar seca e chuva. Comemoramos quando chegam e rezamos para irem embora. Aprendemos que estamos perto do poder, mas ele pode ser inacessível. Temos riqueza e pobreza extremas logo ao lado. Nesta cidade de contradições, não podia ter sido tão feliz quanto sou. Nesta profissão de contrariedades, não poderia ser mais grata do que sou. Tudo passa. As nossas lembranças e histórias ficam.