Brasil

Corpo de Dom Evaristo Arns deve ser sepultado em SP, nesta sexta-feira

Velório deve durar 48 horas. O arcebispo emérito de São Paulo morreu ontem, aos 95 anos

postado em 15/12/2016 07:09
O religioso, filho de imigrantes alemães, estava internado na UTI de um hospital da capital paulista desde 28 de novembro com quadro de broncopneumonia e apresentava problemas renais
O corpo do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Emérito da Arquidiocese de São Paulo, deve ser sepultado nesta sexta-feira (16/12). Dom Odilo Scherer celebrará uma missa às 15h deste dia, antes do enterro na cripta da catedral, localizada no subsolo da igreja. Desde a noite dessa quarta-feira (14/12) o corpo é velado na Catedral da Sé, na região Central da capital paulista. Missas são realizadas a cada duas horas, com o revezamento de diversos padres e bispos, em homenagem ao cardeal. A previsão é de que o velório dure cerca de 48 horas.

O arcebispo emérito de São Paulo morreu ontem, aos 95 anos. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Catarina desde 28 de novembro com um quadro de broncopneumonia e nos últimos dias apresentou piora do sistema renal.

[SAIBAMAIS]Quinto dos 14 filhos que Gabriel Arns e Helena Steiner tiveram, Paulo Evaristo nasceu em 14 de setembro de 1921 na pequena Forquilhinha, na região de Criciúma, antiga colônia de imigrantes alemães em Santa Catarina. A exemplo do irmão mais velho, frei Crisóstomo, Paulo Evaristo entrou em um seminário franciscano, vocação que o pai agricultor apoiou com entusiasmo, embora tentasse adiar a matrícula o mais possível, só porque as despesas do internato pesavam no orçamento. Das sete irmãs moças, três optariam pelo convento.

;Paulo, nunca se envergonhe de dizer que você é filho de colono, pediu Gabriel Arns. Muito depois, quando concluía os estudos na Sorbonne com uma tese sobre a técnica do livro segundo São Jerônimo, o frade mandou um telegrama para Forquilhinha. ;O filho do colono é doutor pela Universidade de Paris, e não se esqueceu da recomendação do pai.;

Atuação

De volta ao Brasil, foi professor de Teologia no seminário franciscano de Petrópolis (RJ), onde trabalhou 10 anos em favelas, período que descreveria como o mais feliz da vida. Em maio de 1966, foi nomeado bispo auxiliar do então cardeal de São Paulo, d. Agnelo Rossi, que o designou para a região de Santana, na Zona Norte.Dedicava-se aos presos da Casa de Detenção do Carandiru e criava núcleos das comunidades eclesiais de base (Cebs), experiência pioneira na arquidiocese, quando um telefonema do núncio apostólico comunicou que ele seria o novo arcebispo de São Paulo.

Não era um convite, mas uma ordem do papa Paulo VI, que transferira o cardeal Rossi para Roma. Era 1970.Um ano antes, tivera os primeiros contatos com vítimas do regime militar, início da luta em defesa dos direitos humanos que marcaria sua carreira. Designado pelo cardeal para verificar as condições em que se encontravam os frades dominicanos e outros religiosos na prisão, constatou que eles estavam sendo torturados.Os militares não gostaram da nomeação de d. Paulo. Quando foi elevado a cardeal, em março de 1973, uma das suas primeiras medidas foi criar a Comissão Justiça e Paz, formada por advogados e outros profissionais, para atender pessoas perseguidas pela ditadura. Funcionava na Cúria Metropolitana, sinônimo de refúgio e esperança para as famílias de mortos e de desaparecidos.Respeitado e temido, amado e odiado, d. Paulo tornou-se um símbolo de resistência. Denunciou as torturas nos quartéis, visitou presos em suas celas, liderou atos de protestos.

No período mais difícil do regime, procurou o presidente Emílio Medici (Arena), em nome do episcopado paulista, para entregar um documento, no qual os bispos exigiam o fim das torturas. Médici deu um murro na mesa ao ouvir a advertência do cardeal e o pôs para fora de seu gabinete.;O senhor fique na sacristia, que nós cuidamos da ordem;, irritou-se o general. D. Paulo pegou de volta o exemplar da Rerum Novarum, a encíclica de Leão XIII que levara de presente, mas fora jogada de lado. Depois disso, só tiveram contatos protocolares. Em defesa dos direitos humanos, visitava operários, estudantes e políticos nas celas da polícia.

Foi numa sala da repressão que conheceu Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido detido após as greves dos metalúrgicos do ABC. Ficaram amigos pelo resto da vida. Na época, o bispo de Santo André era d. Cláudio Hummes, mais tarde arcebispo de São Paulo, que abrigou nas igrejas da diocese trabalhadores impedidos de se reunir.

Entre 1979 e 1985, coordenou com o pastor Jaime Wright, de forma clandestina, o projeto Brasil: Nunca Mais. O trabalho foi realizado em sigilo e o resultado foi a cópia de mais de um milhão de páginas de processos do Superior Tribunal Militar (STM). Entre outros episódios de sua trajetória, destacam-se sua atuação contra a invasão da PUC comandada pelo então secretário de Segurança, coronel Erasmo Dias, em 1977; e o planejamento da operação para entregar ao presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, uma lista com os nomes de desaparecidos políticos.

Como reconhecimento pela obra humanitária, recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior: Prêmio Nansen do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o Prêmio Niwano da Paz (Japão), e o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos (EUA). Em outubro de 2012, o jornalista Ricardo Carvalho lançou a biografia O cardeal da resistência ; As muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns.

Homenagens

O presidente Michel Temer divulgou nota oficial para lamentar a morte do cardeal. ;Dom Paulo foi um defensor da liberdade e sempre teve como norte a construção de uma sociedade justa e igualitária. O Brasil perde um defensor da democracia e ganha para sempre mais um personagem que deixa lições para serem lembradas eternamente;, escreveu o presidente.

A ex-presidente Dilma Rousseff também divulgou nota destacando que d. Paulo Arns era ;um grande líder progressista incansável na defesa dos direitos humanos e da liberdade;. ;D. Paulo será sempre lembrado como símbolo da luta pela democracia, por sua atuação contra a ditadura. O Brasil perde um defensor dos pobres, que passou a vida pregando igualdade de direitos e o fim da exclusão social. Descanse em paz, amigo do povo. Seguiremos lutando!”, escreveu a ex-presidente.

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