Após a grande repercussão da página do Facebook que continha denuncias sobre os Colégios Militares do Brasil, surgiram diversos relatos sobre acontecimentos dentro das escolas. Em entrevista ao Correio, alguns desses alunos e ex-alunos afirmam ter vivido ou testemunhado situações de homofobia, assédio e professores xingando estudantes dentro das salas de aula.
[SAIBAMAIS]A ex-aluna Larissa, afirma que presenciou situações antiéticas e desrespeitosas com os alunos em seu período estudando no Colégio Militar de Brasília (CMB). "Uma dessas situações ocorreu nas minhas provas finais do 3; ano do ensino médio, em 2015, em que um monitor do meu ano ficou sabendo do meu relacionamento com uma das garotas da minha série e a chamou para uma conversa privada, na qual ele a ;aconselhou; a frequentar igrejas, afirmou que nosso relacionamento era algo errado e disse sentia obrigaçao em avisar os alunos de seus erros, quando a encontrei, parei ao seu lado quando ele disse para nós da tristeza que sentia ao saber que iamos para um lugar diferente do dele após a morte. Pensamos em ir a seção psicopedagógica, porém, graças ao histórico dos psicólogos de não manter sigilo às situações retratas lá e ao fato de meu parentes não estarem todos cientes de minha sexualidade, nao tivemos a quem recorrer", conta.
Wilker Cerqueira, 26 anos, é ex-aluno e conta que sofreu violência emocional durante os anos em que estudou no Colégio Militar de Manaus (CMM). "Logo ao adentrar no colégio você é diferenciado pelas vestimentas usadas ; o chamado cotonete ; que são uma mistura de camisa branca, calça jeans azul e tênis preto. Os próprios veteranos tratam com grande desdém, como se existisse uma barreira entre ambos por você ser um novato, até mesmo pelo apelido dado nesses casos, a ;ralé;. Algumas outras posturas adotadas por alunos são bem vexatórias, como a prática do ;boi; ; uma sequência de tapas desferidos na nuca de outro discente, este tentando se proteger a todo custo de um grupo que tem como único objetivo a pura agressão. Mas, honestamente, é necessário clarear que o Comando, em minha época, proibiu tamanha selvageria ; o que não mudava muito em termos práticos", conta.
Segundo Wilker, por ter estrabismo, ouviu diversos comentários depreciativos vindos de alunos e militares. "Eu precisava ignorar ; ou ao menos tentar ; para não ser taxado de homossexual, basicamente era o sepultamento por formalizar toda sorte de brincadeiras e comentários negativos pelas costas ou ainda pela frente. Eu, por ser heterossexual e cisgênero, não passei por tal tortura, mas vi diversos colegas sofrerem diariamente e infelizmente não possuía maturidade pra lidar com a situação de maneira correta", disse.
O jovem conta ainda que presenciou cenas de homofobia: "Em meados de 2005, alguns alunos e militares me perguntavam se eu estava ;curando; uma namorada minha de seu ;homossexualismo; ou se eu deveria sê-lo também pra não estar ;fazendo direito;, tudo por ela rotineiramente estar acompanhada de sua melhor amiga nos corredores da instituição. Ou seja, alguns daqueles que deveriam prezar pela minha segurança e impedir abusos, eram os verdadeiros responsáveis para tanto".
O ex-aluno afirmou que não existia "qualquer sorte de liberdade de crença ou respeito às religiões que divergem do pensamento cristão". Por ser agnóstico, Wilker disse ter sido obrigado a entrar em forma e praticar "ordem unida" durante os cultos ecumênicos realizados na instituição. "As punições eram comuns para quem pensava fora dos padrões sociais impostos. Esses estigmas me seguiram durante anos fora do CM e me impulsionaram na escolha do meu curso de graduação, encontrando no Direito um novo meio para ajudar outras pessoas que diariamente possuem seus direitos basilares e constitucionais ignorados, tudo em nome de uma tradição arcaica fomentada com raiz nos mais profundos preconceitos", conta.
O jovem relata "não tinha para quem recorrer" dentro do colégio, e que sua defesa era "contar com alguns amigos que passavam por situações semelhantes". Mas afirma que "mesmo com toda a situação narrada, alguns profissionais do CM, inclusive uma sargento da Força Aérea Brasileira, sempre esteve por perto das mais variadas formas, seja através de conversar ou orientações para que minha estadia ou minha forma de ver a vida não fosse completamente afetada e tenho muito a agradecer", e que o Colégio Militar de Manaus (CMM) é um "estabelecimento de ensino que tenho grande admiração e respeito", finaliza.
A estudante D., 15 anos, conta que testemunhou um professor xingando um aluno dentro de sala de aula do Colégio Militar de Campo Grande (CMCG). "Estávamos no final do segundo trimestre e os alunos estavam fazendo os pleitos, que seriam lidos na semana seguinte. Esse meu amigo relatou no pleito dele que o professor, da matéria tal, dava muita atenção para os alunos que não precisavam de tanta nota e que o professor gritava demais durante as provas, o que atrapalhava muito. Após a leitura dos pleitos o professor deduziu que esse aluno fosse menina, por causa da folha do caderno, que era rosinha com alguns ursinhos. Pouco tempo depois ele acabou concluindo que seria menino, pois a letra era um ;garrancho;. Na primeira aula da semana após os pleitos, o professor falou que quem escreveu a respeito dele fosse falar com o mesmo que ele iria tratar com todo respeito. Mas, logo em seguida o professor começou a xingar o aluno. Disse que quem escreveu não tinha um futuro, que não estava enxergando o que estava a um palmo do seu rosto, ainda, disse que o aluno era um "merda", "vagabundo", e ainda zombou da profissão alheia, falando que o aluno iria fazer faculdade de turismo. Esse professor ofendeu este aluno em todas as turmas. O professor, deve ter descoberto que o meu amigo escreveu, pois meu amigo é homossexual (todos sabem que ele é), e logo depois do professor ofender o mesmo, ele profanou discurso de ódio a comunidade LGBT, dizendo que é algo "nojento" e que é comum, mas nunca será normal", disse.
A aluna D. relatou ainda que ela e seus colegas procuraram resolver o problema em várias instâncias da escola, mas a situação não foi resolvida. "Depois de saber o que o professor falava sobre o meu amigo, indiretamente, fomos reclamar com nossos superiores. Logo, fomos encaminhados para a seção psicopedagógica, onde relatamos cada detalhe, cada discurso de ódio e cada atitude má que o professor tomou dentro da sala de aula. Meu amigo foi primeiro, depois, eu e mais algumas testemunhas. Eles disseram que iriam tomar uma atitude. Na minha opinião, no mínimo, o professor deveria ter levado alguma punição pelos ocorridos desde o começo do ano. Mas acabou que no final não deu em NADA. O professor continuou profanando discursos de ódio e fazendo coisas ruins até o final do ano.
Depois de tudo isso, relatamos isso para outros professores, monitores e colegas e eles nos disseram a mesma coisa: ;não vai dar em nada, ele é major;, ;você sabe que não vai dar em nada né?;, ;ele é amigo do comandante, não vai acontecer nada;. Se tomaram alguma atitude (o que provavelmente não aconteceu), não sabemos, pois nunca nos comunicaram nada, e além do mais, nada mudou. O professor continuou com as mesmas más atitudes e língua", afirmou. De acordo com a estudante, apesar da atitude de alguns professores, "no colégio há profissionais maravilhosos e de total confiança".
Segundo a ex-aluna do Colégio Militar de Brasília (CMB), Luana, 19 anos, os assédios eram constantes. "Alguns superiores me mandavam indiretas sobre meu corpo e minha aparência. Falavam que eu era ;linda;, e tinha um corpo ;escultural;. Todo mundo gosta de ouvir elogios, mas isso não é um elogio inocente vindo de um homem de 40 anos para uma menina de 16. Já vi eles assediarem outras meninas também, oferecendo uma ;voltinha com benefícios;. Não posso dizer que todos os militares que trabalham no colégio são assim, mas alguns são. Tentei falar com um suoerior sobre isso e ele me disse para ignorar, pois seria apenas um ;desejo masculino que não pode ser controlado;, e que a solução para o problema seria ;deixar pra lá que o cara me deixaria em paz;. Nunca contei pros meus pais ou amigos por medo, e tive medo até concluir o ensino médio", conta.
O estudante L., 17 anos, conta que já ouviu diversos comentários e piadinhas por conta da sua orientação sexual. "Quando me assumi tanto nas redes sociais, quanto no modo de andar e falar, sofri retaliações de colegas. Até aí, nada fora do comum. Porém, algumas me chateavam muito, então resolvi procurar algum monitor para conversar e saber o que fazer quanto a isso. Ao ver que eu era gay, o monitor disse que eu não devia fazer nada, pois ;as piadinhas eram para me fazer enxergar que eu estava errado;, e que esse tipo de buylling era ;saudável;.Disse ainda que um dia eu iria ;agradecer aos meus colegas;, quando voltasse a ser ;o que era para ser;. Cheguei em casa chorando muito, mas não tive coragem de contar para os meus pais sobre o caso desse monitor. Minha família sempre me deu muito apoio, e foi por isso que eu continuei estudando no colégio", disse o aluno do Colégio Militar de Brasília (CMB).
O ex-aluno Erin Fernandes, 18 anos, fez um relato em seu Facebook com um depoimento de apoio à página No meu Colégio Militar, e experiências vividas pelo jovem."Eu fui desdenhado, ameaçado, exposto e até agredido fisicamente nas dependências do colégio, até o último dia em que o frequentei. E isso não era recorrente porque eu ficava calado ou não contatava meus responsáveis", conta. Erin diz em sua postagens que procidências sobre seu caso foram tomadas apenas uma vez: "A única vez que me lembro de alguma providência tomada em relação a algo que sofri injustamente é de quando um menino da minha sala, por eu ser "viadinho", me empurrou no chão, durante a formatura, e rasgou a minha calça. Ele levou um FO (Fato Observado) e perdeu 0,3 de comportamento, mas só. E isso porque ele era aluno, não profissional, se o fosse, teria sido certamente acobertado".
O jovem defende que a campanha #NoMeuColegioMilitar pode ajudar alunos que passam por algum tipo de abuso dentro do colégio. "Eu reconheço a série de coisas positivas que o Colégio Militar me proporcionou, como o acesso a atividades extracurriculares de grande teor acadêmico, e também, mais ainda, reconheço o esforço de vários profissionais dedicados a construção de um ambiente melhor e responsável. Mas acontece que pra mim e pras milhares de pessoas que aderiram ou apoiaram a campanha, o CM sempre significou muito dispêndio de saúde física e mental. E esse cenário não vai mudar enquanto não falarmos abertamente sobre isso", escreveu.
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Mesmo com a página No meu colégio Militar fora do ar desde a manhã desta sexta-feira (30/12), alguns alunos criaram a página chamada No nosso Colégio Militar, que agrupa depoimentos de apoio e defesa da instituição. Criada no dia 29, a página conta com mais de 800 curtidas.
Em um dos depoimentos, uma aluna do Colégio Militar de Campo Grande (CMCG) afirmou que "generalizar é errado e dirigir toda essa hostilidade ao sistema, denegrindo sua imagem, não vai adiantar nada". Uma ex-aluna, chamada Patrícia, comentou que "só tem a agradecer" e disse ser "muito orgulhosa de ter feito parte desta instituição, que sempre terá meu apoio e defesa".
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Procurados pelo Correio, o Colégio Militar de Brasília (CMB) e o Colégio Militar de Campo Grande (CMCG) não se pronunciaram sobre as denúncias. Este espaço está aberto para a manifestação das instituições.