Brasil

Opinião: Liz, o xodó da voinha

Ana Dubeux
postado em 29/01/2017 08:30
bebê recém-nascido chora
Confesso que o meu maior medo era escrever qualquer coisa que parecesse clichê, banal ou piegas ; ou quem sabe os três juntos. Difícil demais descrever o que parece ainda tão arrebatador e nebuloso, quase uma miragem. Sou um marujo que acabou avistar terra firme. Acredito que vivia ao sabor das ondas, com altos e baixos, até meu coração ancorar. Aconteceu há poucos dias. Liz, minha neta, nasceu. E isso mexeu comigo de um jeito que mal consigo expressar. Poderia aguardar mais um tempo, um céu mais limpo, quem sabe, sem qualquer sombra ou nuvem de dúvida, que permitisse quase desenhar o sentimento ou a palavra ideal. Mas já aprendi, nesta vida, a também respeitar o que merece ser externado no calor do momento. Levei mais de 53 anos para experimentar um amor à primeira vista. Não posso esperar para contar.

Desde que Liz veio ao mundo, tenho feito viagens incríveis. É um misto de volta ao passado com uma sensação de renovação e um vislumbre de futuro promissor. Nessas idas e vindas, revisito há duas semanas as caixas de afetos. Fotos, cartas, lembranças, memórias familiares e de amigos. São histórias remexidas, que me levam a encontros verdadeiros, a uma felicidade suprema e a uma consciência de que até aqui valeu a pena ; muito! Liz me permitiu olhar para as coisas e as enxergá-las de modo diferente. Ou apenas embotou minha vista, tanto faz. Só vejo cor. E talvez por isso acordo e corro para vê-la. E também não encerro um dia sem pousar os olhos nela.

Dirão todos que sou apenas uma marinheira de primeira viagem na experiência de ser avó. E sou. Sempre ouvi de amigos próximos, já acostumados a esse delicioso turbilhão de emoções, que seria assim. Mas viver tem peso diferente de imaginar. Agora serei mais uma a testemunhar. O nascimento dela foi uma injeção de ânimo e de união.

Acabei por descobrir felizes coincidências no encontro de famílias queridas que se unem para celebrar sua chegada. O bisavô materno dela, Mateus Teófilo Tourinho, trabalhou anos e anos no industrial do Correio. Veio do Rio com o também cearense Ari Cunha, meu amigo. Passei anos ouvindo Ari falar sobre a aventura de construir um jornal antes de a cidade ser cidade. E, então, percebo que a filha do meu filho, sangue do meu sangue, também tem sua história cravada nas rotativas deste jornal.

Agora, me pego tentando resgatar a trajetória dos ancestrais de Liz, para honrá-los, conhecê-los e, um dia, poder contar para ela, em detalhes, de quem ela é feita. Essa investigação não deixa de ser um processo de autoconhecimento e um aprendizado que me faz novamente uma menina descobrindo a vida ; se não a minha, a dela, com toda a inocência, a novidade, o tempo pela frente. Não foi só Liz que nasceu. Com ela, nasceu um novo jeito de olhar para o mundo. Só tenho a agradecer por isso.

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