Brasil

Tráfico de armas deve ser alimentado por ex-guerrilheiros da Farc

Armamentos pesados deveriam ser entregues à ONU

Leonardo Cavalcanti
postado em 05/03/2017 08:00
Há uma linha de 15 mil quilômetros que sempre foi invisível para as autoridades de Brasília. A fronteira terrestre do Brasil pode ser comparada a uma espécie de peneira para o tráfico de drogas, de armas, de minério e de animais. Tal avaliação é recorrente entre os militares que atuam nos estados limítrofes com 10 países latino-americanos. Nos últimos relatórios trocados entre integrantes das Forças Armadas, porém, há uma nova preocupação. Com o acordo de paz firmado entre os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo colombiano, comandantes de batalhões do lado brasileiro trabalham com a possibilidade de aumento da entrada de armamentos ilegais ; como os temíveis fuzis AK47 e AR15 ; para abastecer o crime nas capitais. Outra preocupação é a crise na Venezuela, que, segundo os militares daqui, tem levado cidadãos a vender as armas.



A partir de informações dos militares brasileiros, mesmo com a entrega de parte do arsenal das Farcs para as Nações Unidas (ONU), conforme estabelece o acordo, armas com alto poder de fogo dos rebeldes devem abastecer o mercado brasileiro, a partir do tráfico. O general Theophilo Gaspar de Oliveira, responsável pelo Comando Logístico da Força, em Brasília, afirma que armas de grosso calibre estão entrando no Brasil em direção às capitais. ;O mesmo que ocorreu na Nicarágua nos anos 1990. O armamento velho, como carabinas, armas de caça, espingardas calibre 12, são entregues ao governo da Colômbia. Já as armas novas, como o AR15 e o AK47, são vendidas para criminosos no Brasil na fronteira;, aponta o general.

O Brasil faz fronteira com 10 países sul-americanos. Atualmente o Ministério da Defesa possui o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que, segundo informações da pasta, observa uma região que abriga 10 milhões de pessoas e abrange 29 cidades. Mas a fronteira terrestre brasileira se estende por 570 municípios. Ou seja, o Ministério da Defesa monitora apenas 5% das cidades. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a faixa de fronteira protegida por lei possui 150km de largura, que se estende por três das cinco regiões do Brasil. Essa ineficiência na vigilância de quem entra e sai do território nacional permite a passagem de produtos ilegais. Mas as saídas de minério e de produtos naturais também preocupam as Forças Armadas.

Nióbio


Entre os minérios que deixam o Brasil ilegalmente, o mais preocupante é o nióbio. O Brasil possui 98% de todo esse material existente no mundo. Apesar de abundante por aqui, o item é usado para desenvolver produtos de alto valor para a indústria, como a fuselagem de aviões, espaçonaves e telas de alta tecnologia, usadas em computadores, smartphones e aparelhos de televisão. De acordo com o general Theophilo Gaspar, esse minério sai do país ilegalmente pela fronteira na região norte. ;Nossa fronteira registra um grande tráfico de minério no extremo norte do país, na região da Guiana Francesa, da Guiana e do Suriname. O nióbio, que é um produto riquíssimo, que poderia ser explorado pela Vale, está sendo usado na venda para a compra de drogas e armamentos. Atualmente apenas uma empresa explora esse tipo de produto natural, sendo que ela não quer mais nióbio circulando por uma questão de mercado;, destaca o militar.

Além do tráfico de minérios, a região Norte e todo o restante da fronteira registra uma grande quantidade de tráfico de animais. Essa seria a terceira maior fonte de renda para o crime organizado. Além de ser usado como fundo financeiro para o caixa das organizações criminosas, o tráfico de animais ameaça a flora, a fauna e causa um grande impacto no meio ambiente. Segundo um relatório do Ibama, entre 2005 e 2015, estima-se que o tráfico de animais tenha injetado R$ 7 bilhões no crime organizado.

Três perguntas // Theophilo Gaspar de Oliveira, general responsável pelo comando logístico do exército

Por onde drogas e armas entram em território brasileiro?
Existe um erro de percepção de que o trecho mais sensível é a Tríplice Fronteira em Foz do Iguaçu, na divisa entre Brasil, Argentina e Paraguai. Mas essa impressão ocorre apenas por conta do monitoramento que tem lá, onde são apreendidos diversos produtos. Mas o maior problema está no Norte do país, na região da Amazônia. Drogas e armas entram principalmente na fronteira entre Colômbia, Venezuela e Peru. Todo esse material ilegal entra por terra e por pequenos aviões, que seguem para o Rio de Janeiro e São Paulo. Nessa região, não existe monitoramento. A fronteira está aberta hoje para quem quiser. E, pela Região Norte, entram imigrantes ilegais, criminosos e pessoas que exploram recursos naturais. Mas o maior problema é a entrada de armas e drogas, que abastecem o crime organizado no Brasil. Não adianta tomar medidas paliativas. É necessário fazer a fonte secar para as organizações criminosas. Os recursos do crime vêm de drogas e armas. É preciso acabar com a entrada ilegal destes produtos.

Por que o acordo com as Farc é um problema para o Brasil?
Os integrantes desse grupo não entregam todas as armas. Eles mantêm um acordo com o governo que prevê a entrega de seu equipamento. Mas eles só entregam armas mais velhas. O que tem de novo, que vale mais no mercado negro, é enviado ao Brasil por meio do tráfico. São armas pesadas, como o fuzil AK 47, de fabricação russa. Atualmente, essa é a melhor arma para o crime organizado. Essas armas vão parar nos grandes centros urbanos e criam maior dificuldade para se combater o crime organizado.

O senhor citou que a divisa com a Venezuela também é um ponto frágil da fronteira, por quê?
O governo de Hugo Chávez e o atual, de Nicolás Maduro, criaram milícias populares. O governo cedeu armas para essas pessoas. São mais de 1.300 homens armados com fuzil. Como a Venezuela está enfrentando a maior crise econômica e social da sua história, esses homens vendem suas armas para o Brasil. Essas armas entram pelas fronteiras e vão logo parar em regiões onde o crime organizado impera.

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