Marlene Gomes - Especial para o Correio
postado em 12/06/2017 20:59
De um lado, a liberdade de expressão. Do outro, a preservação da intimidade e da imagem. A discussão envolve os limites dos dois direitos fundamentais, garantidos na Constituição Federal, e o direito ao esquecimento, uma situação ainda não regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro.
O tema ganhou destaque por conta de um processo que foi aberto no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A corte carioca manteve sentença negando pedido de compensação financeira e reparação material aos familiares de Aída Cury, assassinada em 1958, cuja história foi relembrada durante o programa de uma emissora de televisão, em razão do uso não autorizado da imagem da vítima.
Se o direito ao esquecimento for reconhecido em sua totalidade, provedores de internet podem ser obrigados a retirar da rede conteúdos que citem pessoas condenadas por ações criminosas, mas que já cumpriram a pena. A imprensa também poderia ser proibida de relembrar nos jornais casos que já foram analisados pelo Poder Judiciário.
A disputa envolve um aspecto da proteção da dignidade humana ainda não apreciado pelo o Supremo Tribunal Federal (STF): o direito ao esquecimento na esfera cível. Para buscar subsídios e pacificar o entendimento sobre o tema, o Supremo realizou uma audiência pública, com a participação de especialistas de diversas instituições. O ministro Dias Toffoli, que é relator da ação impetrada pela família de Aída Cury, informou que o recurso tem repercussão geral e que a decisão tomada pelo Supremo terá reflexo em todos os outros casos semelhantes em tramitação na Justiça brasileira.
"A questão trazida à Corte apresenta relevância jurídica e social e envolve valiosos interesses, uma vez que aborda tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de estatura constitucional: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada;, disse.
O processo contra a emissora de televisão chegou ao STF em 2013. Nele, a família de Aída Curi, estuprada e morta em 1958 por um grupo de jovens, alegava que ao relembrar o caso recentemente, a emissora trazia de volta angústia e revolta diante do crime. O caso levantou grande polêmica, ocasionando, pela primeira vez, a discussão sobre o direito ao esquecimento no mundo jurídico brasileiro. O ministro Luís Felipe Salomão foi relator do recurso especial no STJ.
Direito não reconhecido
O diretor de políticas públicas do Google no Brasil, Marcelo Leonardi, apresentou um panorama do tema a partir da experiência da Google em diversos países. Segundo ele, o suposto direito ao esquecimento não é reconhecido em nenhum tratado ou convenção internacional de direitos humanos e nem em qualquer constituição nacional. "Tanto o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos destacam que a liberdade de pensamento e de expressão compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha;, disse.
Leonardi destacou, também, posicionamento expresso pelo diretor da Agência Nacional de Proteção de Dados da Argentina, professor Eduardo Bertoni, ao afirmar que "o direito ao esquecimento é um conceito ofensivo e um verdadeiro insulto à história da América Latina".
"Ele é categórico ao dizer que, se aqueles envolvidos nas violações em massa de direitos humanos pudessem solicitar a sites e a mecanismos de busca que tornassem essas informações inacessíveis, argumentando que a informação não é mais atual ou que lhes cause desconforto, isso seria um enorme insulto à nossa história;, explicou Bertoni.
Representando a Yahoo do Brasil, o advogado André Zonaro Giaccheta, destacou que a empresa acumula 400 ações judiciais para a remoção de conteúdos de busca e fez questionamentos sobre a quem deve ser dirigida a ordem para a remoção de conteúdos. ;Uma decisão judicial para a remoção do resultado de busca não impede o acesso público ao conteúdo, só mascara o resultado. Não me parece haver a amplitude da discussão ao se dirigir a ordem ao provedor da informação. Se a demanda for destinada àquele que produziu o conteúdo, ou a quem resolveu se expressar, garante-se a amplitude do debate;, disse.