Brasil

Violência no Dia dos Pais expõe degradação das relações familiares

Em São Paulo, homem mata a mulher e a filha, que tinha acabado de homenageá-lo numa rede social. Em Campo Grande e Brasília, jovens agridem parentes idosos

Maiza Santos*
Luís Cláudio Cicci - Especial para o Correio
postado em 15/08/2017 06:00 / atualizado em 19/10/2020 11:56
Anna Victoria Corrêa, na postagem em que homenageou o pai, Ronaldo da Silva Corrêa:

No Dia dos Pais, três episódios de violência doméstica contrastaram com o tradicional domingo festivo e servem para chamar a atenção para a degradação das relações familiares no Brasil. No interior de São Paulo, um agente penitenciário, de 49 anos, atirou contra a própria cabeça logo depois de matar a esposa, de 46, e a filha, de 18. Os assassinatos com arma de fogo tiveram como testemunha o caçula do casal, de 5 anos, e aconteceram logo após a jovem publicar uma homenagem ao pai numa rede social.

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Em Campo Grande, durante uma comemoração, um rapaz, de 20 anos, embriagado, socou e chutou o pai e o avô, um senhor de 72. O pretexto para as agressões foi uma discussão. Testemunhas disseram que essa não foi a primeira vez que o jovem atacou violentamente os parentes mais velhos. Por fim, no Gama, um homem, de 41, viciado em crack, bateu no pai, de 75, ameaçou a mãe, uma cadeirante, até que foi denunciado à polícia por vizinhos e terminou na delegacia.

O dia a dia de uma família, por mais íntimo que seja, não fica imune às crises política, econômica e ética. “Tudo que permeia as relações maiores, coletivas, está presente no contexto familiar. O adoecimento social vira falta de amparo”, explica a psicóloga e professora do UniCeub Simone Cerqueira. “Com o distanciamento afetivo, vem a dificuldade de se colocar no lugar do outro, a falta de acolhimento, e os vínculos afetivos ficam enfraquecidos”, completa a responsável pelo Grupo de Apoio a Pais, da universidade.

Nos postos de saúde de todo o país, médicos e enfermeiros têm a obrigação de notificar o Ministério da Saúde sempre que suspeitarem de violência sexual ou doméstica. Entre 2013 e 2015, os casos de violência com registro chegaram a 142.329, número que, sabidamente, está aquém da realidade do cotidiano das residências brasileiras. É comum as vítimas conviverem com o sofrimento, porque se acostumaram a isso desde as famílias de origem, dependem financeiramente dos agressores e querem evitar o esfacelamento familiar.

É perceptível, porém, uma mudança. “O problema da violência familiar está mais visível, há uma maior consciência sobre a inadequação dessa dinâmica, e a tendência é de uma maior exposição”, comenta o mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB) André Pereira de Oliveira. “Vejo mais presente a compreensão dessa questão como algo anormal, como violação dos direitos humanos, uma consequência das campanhas de combate e também da Lei Maria da Penha”, avalia o advogado, que há seis anos atua no Núcleo de Prática Jurídica da UnB, em Ceilândia.

No Distrito Federal, só no primeiro semestre deste ano, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP-DF) registrou 7.119 ocorrências de violência doméstica, com 8.482 vítimas, das quais 90% eram do sexo feminino. A brutalidade se manifesta mais frequentemente como ameaça, em 63,1% dos casos, e como injúria, com 61% dos registros. A lesão corporal dolosa dentro do ambiente familiar corresponde a 19,68%, enquanto as brigas, sem a ocorrência de lesões, são quase 18%.


Programa

 
A natural evolução dos costumes tem implicações que um psiquiatra, com a experiência de 18 anos de atendimento em consultório, percebeu com clareza nos pacientes. “Quando se fala em direitos iguais, esquece-se o respeito dentro da família; quando se pune e vem a reclamação, se mistura alhos com bugalhos, se confunde respeito com direitos”, comenta o médico e professor universitário Raphael Boechat. “A partir do momento em que se trata um idoso da mesma forma que um jovem, não é para ser assim, algo está se perdendo.”

O governo do Distrito Federal mantém, desde 2014, por meio da Polícia Militar, o programa de Prevenção Orientada de Violência Doméstica (Provid). Essa iniciativa faz com que policiais se dediquem à prevenção e à assistência de casos de abandono de incapaz, ameaças, cárcere privado, estupro, injúria, lesão corporal, maus-tratos e tentativa de homicídio. O trabalho busca prevenir ocorrências e interromper o ciclo da violência doméstica. O atendimento no Grupo de Apoio a Pais, do UniCeub, é gratuito e pode ser agendado pelo telefone 3966-1626.
 
*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa.

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