Jornal Correio Braziliense

Brasil

Antes vistas como esperança, UPPs agonizam e perdem policiais

Pesquisa da Universidade Cândido do Mendes sinaliza que as unidades de polícia pacificadora fracassaram como política pública permanente

A realidade de um dia a dia mais tranquilo, que moradores de 38 favelas do Rio de Janeiro experimentaram com perspectiva de longo prazo, entre 2008 e 2015, agoniza. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido do Mendes sinaliza que as unidades de polícia pacificadora, as UPPs ; que renderiam ações transformadoras e resultados duradouros ;, não passam, hoje, de iniciativa temporária, sem caráter de política pública.

Na terça-feira (22/8), a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Seseg) afirmou que vai tirar 3 mil PMs das UPPs e colocá-los em áreas que concentram 86% das mortes violentas na cidade. Segundo o chefe da pasta, Roberto Sá, as unidades seguem nos locais de origem, mas com uma ;otimização da estratégia;. Ações como essas e o uso da crise financeira para explicar os problemas das UPPs dão a sensação de que a iniciativa está perto do fim. ;O discurso da falta de recursos me deixa preocupada, é a fala de quem não vai fazer mais nada;, interpreta a coordenadora do CESeC, Sílvia Ramos.

Os últimos dois anos evidenciam o descompromisso do poder público do Rio de Janeiro com a proposta original das UPPs: ocupação policial para a retomada de áreas sob o controle da criminalidade, por meio do policiamento de proximidade, com a oferta de serviços públicos. ;Ouvi muito dos moradores mais antigos dizerem que as UPPs eram só maquiagem para a Copa do Mundo e as Olimpíadas;, lamenta, ao reconhecer a sabedoria dos vizinhos mais velhos, o produtor cultural Ricardo Fernandes, morador da Cidade de Deus. ;O que ocorre hoje é só a constatação de algo que não era para ser permanente, diferente daquilo que as favelas precisam para mudar de vez.;

A pesquisa revela falhas que culminaram com a volta, nas áreas sob influência das UPPs, da estratégia de confronto. E o P, de pacificação na sigla, perdeu o sentido. Faltou planejamento para superar o tradicional conflito entre jovens e policias. Então, os baculejos continuaram, especialmente para adolescentes e adultos jovens, negros e pobres. O preconceito revela falta de treinamento e de controle na conduta dos policiais,sujeitos a condições de trabalho ruins. Por fim, o modelo não variou conforme o tamanho da comunidade, e os morros ficaram sem os prometidos serviços públicos.

;Faltou homogeneidade, comunicação, diálogo, aproximação. Isso pode levar à derrocada do projeto para dar lugar à guerra às drogas;, lamenta. Vem do receio do fim das UPPs o título da pesquisa: Última chamada. ;Antes que a ideia se deteriore completamente;, justifica a economista e mestre em antropologia social do CESeC Leonarda Musumeci.


Ação de ocupação

Em 2012, equipe com oito especialistas prestou consultoria para a Seseg e preparou menos de duas dezenas de recomendações sobre as ações de policiamento pacificador. ;A maioria não foi adotada e, hoje, as UPPs são só uma ação de ocupação;, lamenta o doutor em sociologia e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, que participou do trabalho. ;Não houve avanço na tentativa de mudar a relação da polícia com a comunidade nem a adoção do policiamento de proximidade;.

O ano que vem, de eleições, será decisivo para o destino da proposta de ocupação pacífica. ;Não há, hoje, liderança política ou recursos econômicos para qualquer mudança, porque a velha polícia invadiu o modelo das UPPs e não houve esforço algum no sentido contrário;, explica Cano. A Seseg teve prazo de mais de um dia para atender ao pedido de informações feito pelo Correio. Segundo um funcionário da equipe, não houve retorno por falta de pessoal.