Brasil

Antes vistas como esperança, UPPs agonizam e perdem policiais

Pesquisa da Universidade Cândido do Mendes sinaliza que as unidades de polícia pacificadora fracassaram como política pública permanente

Luís Cláudio Cicci - Especial para o Correio
postado em 23/08/2017 18:36
A realidade de um dia a dia mais tranquilo, que moradores de 38 favelas do Rio de Janeiro experimentaram com perspectiva de longo prazo, entre 2008 e 2015, agoniza. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido do Mendes sinaliza que as unidades de polícia pacificadora, as UPPs ; que renderiam ações transformadoras e resultados duradouros ;, não passam, hoje, de iniciativa temporária, sem caráter de política pública.

Na terça-feira (22/8), a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Seseg) afirmou que vai tirar 3 mil PMs das UPPs e colocá-los em áreas que concentram 86% das mortes violentas na cidade. Segundo o chefe da pasta, Roberto Sá, as unidades seguem nos locais de origem, mas com uma ;otimização da estratégia;. Ações como essas e o uso da crise financeira para explicar os problemas das UPPs dão a sensação de que a iniciativa está perto do fim. ;O discurso da falta de recursos me deixa preocupada, é a fala de quem não vai fazer mais nada;, interpreta a coordenadora do CESeC, Sílvia Ramos.

Os últimos dois anos evidenciam o descompromisso do poder público do Rio de Janeiro com a proposta original das UPPs: ocupação policial para a retomada de áreas sob o controle da criminalidade, por meio do policiamento de proximidade, com a oferta de serviços públicos. ;Ouvi muito dos moradores mais antigos dizerem que as UPPs eram só maquiagem para a Copa do Mundo e as Olimpíadas;, lamenta, ao reconhecer a sabedoria dos vizinhos mais velhos, o produtor cultural Ricardo Fernandes, morador da Cidade de Deus. ;O que ocorre hoje é só a constatação de algo que não era para ser permanente, diferente daquilo que as favelas precisam para mudar de vez.;

A pesquisa revela falhas que culminaram com a volta, nas áreas sob influência das UPPs, da estratégia de confronto. E o P, de pacificação na sigla, perdeu o sentido. Faltou planejamento para superar o tradicional conflito entre jovens e policias. Então, os baculejos continuaram, especialmente para adolescentes e adultos jovens, negros e pobres. O preconceito revela falta de treinamento e de controle na conduta dos policiais,sujeitos a condições de trabalho ruins. Por fim, o modelo não variou conforme o tamanho da comunidade, e os morros ficaram sem os prometidos serviços públicos.

;Faltou homogeneidade, comunicação, diálogo, aproximação. Isso pode levar à derrocada do projeto para dar lugar à guerra às drogas;, lamenta. Vem do receio do fim das UPPs o título da pesquisa: Última chamada. ;Antes que a ideia se deteriore completamente;, justifica a economista e mestre em antropologia social do CESeC Leonarda Musumeci.


Ação de ocupação

Em 2012, equipe com oito especialistas prestou consultoria para a Seseg e preparou menos de duas dezenas de recomendações sobre as ações de policiamento pacificador. ;A maioria não foi adotada e, hoje, as UPPs são só uma ação de ocupação;, lamenta o doutor em sociologia e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, que participou do trabalho. ;Não houve avanço na tentativa de mudar a relação da polícia com a comunidade nem a adoção do policiamento de proximidade;.

O ano que vem, de eleições, será decisivo para o destino da proposta de ocupação pacífica. ;Não há, hoje, liderança política ou recursos econômicos para qualquer mudança, porque a velha polícia invadiu o modelo das UPPs e não houve esforço algum no sentido contrário;, explica Cano. A Seseg teve prazo de mais de um dia para atender ao pedido de informações feito pelo Correio. Segundo um funcionário da equipe, não houve retorno por falta de pessoal.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação