postado em 27/08/2017 18:33
Apenas na última semana, foram registrados pelo menos cinco casos de mulheres assassinadas por seus companheiros ou ex-companheiros só em São Paulo. Dado alarmante que reflete a realidade do Brasil, país com a quinta maior taxa de feminicídio do mundo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. As mulheres negras são ainda mais violentadas. Apenas entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes, passando de 1.864 para 2.875 nesse período. Muitas vezes, são os próprios familiares (50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%) os que cometem os assassinatos.
Com a Lei 13.140, aprovada em 2015, o feminicídio passou a constar no Código Penal como circunstância qualificadora do crime de homicídio. A regra também incluiu os assassinatos motivados pela condição de gênero da vítima no rol dos crimes hediondos, o que aumenta a pena de um terço (1/3) até a metade da imputada ao autor do crime. Para definir a motivação, considera-se que o crime deve envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Para a promotora de Justiça e coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVID) do Ministério Público do Estado de São Paulo, Silvia Chakian, a lei do feminicídio foi uma conquista e é um instrumento importante para dar visibilidade ao fenômeno social que é o assassinato de mulheres por circunstâncias de gênero. Antes desse reconhecimento, não havia sequer a coleta de dados que apontassem o número de mortes nesse contexto.
Apesar dessa importância, a promotora alerta que a lei é um ponto de partida, mas sozinha será capaz de acabar com crimes de feminicídio. ;Como um problema bem complexo de causas sociais que estão relacionadas a aspectos da nossa sociedade ; ainda tão patriarcal, machista e conservadora ; não existe uma fórmula mágica, é necessário um conjunto integrado de ações;, defende.
Lei Maria da Penha
A implementação integral da Lei Maria da Penha é o primeiro ponto desse rol de medidas que devem ser tomadas pelo Estado. Reconhecida mundialmente como uma das melhores legislações que buscam atacar o problema e elemento importante para a desnaturalização da violência como parte das relações familiares e para o empoderamento das mulheres, a lei ainda carece de implementação, especialmente no que tange às ações de prevenção, como aquelas voltadas à educação, e à concretização de uma complexa rede de apoio às mulheres vítimas de violência, na avaliação da promotora Silvia Chakian.
;A gente não vai avançar na desconstrução de uma cultura de discriminação contra a mulher, que está arraigada na sociedade, nas instituições e em nós mesmas, sem trabalhar a dimensão da educação;, alerta.
De acordo com a promotora, a rede de atendimento, de atenção e de proteção às mulheres que vivenciam situações de violência pode ser definidora do rompimento desse ciclo, porque ela deveria fornecer apoio multidisciplinar, inclusive psicológico e financeiro, para que a mulher possa tomar a decisão de romper a relação abusiva e tenha condições de se manter fora dela.
;Onde não há delegacia especializada, centro de referência, casa abrigo e outras instituições de apoio, essa mulher vai sofrer calada, dentro de casa, sem conseguir buscar ajuda;, afirma. Como o fato extremo do assassinato é, em geral, uma continuidade de violências perpetradas antes, a existência desses mecanismos de auxílio pode interromper o ciclo de violações, antes que a morte ocorra. ;Os feminicídios são tragédias anunciadas, por isso, essas são evitáveis;, alerta Chakian.
Outras formas de combater essa realidade dramática é aprimorar as condutas dos profissionais envolvidos nos processos de investigação e julgamento de crimes de feminicídio. Nesse sentido, em 2016 o governo brasileiro, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a ONU Mulheres publicaram as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres ; Feminicídios.
O documento detalha, por exemplo, quando e como a perspectiva de gênero deve ser aplicada na investigação, processo e julgamento de mortes violentas de mulheres, além de formas de abordagem das vítimas e informações sobre os direitos delas. O documento destaca ainda ações que podem ser desenvolvidas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, de modo que a justiça incorpore a perspectiva de gênero em seu trabalho e para que sejam assegurados os direitos humanos das mulheres à justiça, à verdade e à memória.