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Briga na Justiça promete ser longa contra decisão da "cura gay"

Veredito dado por magistrado permitindo que psicólogos que ofereçam reorientação sexual é considerado um retrocesso por ativistas do movimento LGBT e dos direitos humanos e ameaça batalha por igualdade

Amanda Ferreira - Especial para o Correio, Anna Russi*, Aline Brito*
postado em 25/09/2017 06:00

Juiz Waldemar e a polêmica sobre tratamentos de reorientação sexual

A decisão judicial que permite aos psicólogos oferecerem, no Brasil, reorientação sexual, causou reações de movimentos LGBT e ativistas de direitos humanos, esquentou a internet com discussão sobre a medida, trouxe reflexão sobre o tema e teve repercussão internacional, mas, acima de tudo, representa um retrocesso na história das conquistas dos homossexuais.

Na sentença, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho chama esses tratamentos de ;(re)orientação sexual;, o que ficou conhecido popularmente como ;cura gay;, pois abre a possibilidade de submeterem as pessoas a uma conversão. A ;cura gay; era vetada por uma resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia, que agora foi esvaziada pela decisão judicial.

Essa norma foi estipulada a partir de um entendimento de 1990, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que se posicionou contrariamente à questão. O órgão definiu que a homossexualidade não poderia ser considerada como condição patológica, por se tratar de uma variação natural da sexualidade humana.

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Para o advogado Müller Oliveira, 28 anos, diante das conquistas alcançadas historicamente, falar em cura gay é ;um dos maiores retrocessos da sociedade atual;. Müller explicou que a busca pela aceitação da sexualidade foi longa. Segundo ele, as pessoas não precisam se assumir e sim se aceitar. ;A partir do momento que me aceito, automaticamente me imponho, mostro para a sociedade que minha orientação sexual não é nenhuma doença. E muitas pessoas precisam da ajuda de um psicólogo para isso;, comentou.

Na interpretação dele, a decisão do magistrado do TJDFT não tratou a homossexualidade como uma doença. Ele chamou atenção para o conflito e o preconceito entre os próprios membros da comunidade LGBT. ;Tenho observado que o gay não gosta da lésbica ;caminhoneira;, que o passivo na relação sexual é a ;mulherzinha;. Existe a ;ala urso;, a ;Barbie;, o ;macho;. Ainda, generalizam que travestis são agressivas e prostitutas. Desse tipo de discriminação e preconceito, ninguém fala;, disse Müller

Pesquisa
Veredito dado por magistrado permitindo que psicólogos que ofereçam reorientação sexual é considerado um retrocesso por ativistas do movimento LGBT e dos direitos humanos e ameaça batalha por igualdade
Uma pesquisa realizada em 2015 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com 1.500 pessoas, mostrou que 33,3% dos homens e 22,4% das mulheres entre 18 e 34 anos são homo ou bissexuais. Essa pesquisa foi realizada com jovens de todo o Brasil. A representatividade homossexual cresce a cada dia. Reflexo disso são os dados do Censo 2010 sobre casamento igualitário. Divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números mostram que o Brasil contabiliza mais de 60 mil pessoas vivendo com parceiros do mesmo sexo. Entre 2014 e 2015, o casamento homoafetivo cresceu mais do que a formalização do compromisso entre casais heterossexuais no Brasil.

Para essas pessoas, geralmente, o processo de se assumir publicamente é muito difícil e causa um grande sofrimento psíquico para alguns. O estudante Danilo Brito, 21 anos, sabe bem como é isso. Ele sempre sentiu que não se encaixava na conduta heterossexual, mas teve que passar por um processo muito conturbado de autoaceitação para que conseguisse se sentir bem consigo mesmo. ;Na minha cabeça, ser gay era a pior coisa que eu poderia me tornar;, confessa.

;Eu pensava em esconder isso pra sempre, em viver uma vida que não era minha;. Para ele, não houve um dia certo em que assumiu sua homossexualidade: ;as coisas foram se dando aos poucos. Depois que aceitei, me assumi para poucas pessoas. Então, fui criando segurança e tenho me assumindo mais;, conta.

Hoje Danilo conseguiu superar as adversidades e se sente confortável com sua condição. Ele receia que, com medidas para estabelecer a ;cura gay;, mais pessoas passem pelo mesmo que ele. ;As crianças serão mais afetadas com isso, obrigadas a se encaixar em condutas e a esconder quem realmente são;, lamenta.

Psicólogos e a comunidade LGBT acreditam que tratar a homossexualidade como doença representa um risco para os homossexuais. A psicóloga Flávia Timm diz que não se pode legitimar o preconceito. ;Se a gente quer paz, não podemos ser coniventes com o ódio;, assegura. ;Quando o Estado diz que temos que nos curar, está criando ódio e colocando essa comunidade em risco;, critica.

Violência

O Brasil é campeão mundial de crimes contra minorias sexuais. O ano de 2016 foi o mais violento desde 1970 contra pessoas LGBTs. Foram registradas 343 mortes, entre janeiro e dezembro do ano passado. Ou seja, a cada 25 horas um LGBT foi assassinado. Felipe Baére, psicólogo da Comissão Especial LGBT do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, diz que permitir a reorientação sexual é um risco. ;Estamos falando de uma decisão cujos desdobramentos são extremamente perigosos;, alerta.

Ele conta que, em episódios da história em que a terapia de reversão foi empregada, sempre houve relatos de muita agressão psicológica, física e de tortura. ;Não era incomum desdobramentos severos e que levavam ao homicídio de pacientes considerados ;anormais;;, diz. ;Estamos falando de internações compulsórias que se tornaram prisões perpétuas, de ingestão de substâncias indutoras de enjoos associadas a imagens e vídeos com cenas homoafetivas, de eletrochoques, castração física e química;, afirma Baére.


Surgimento do termo

No Brasil o termo ;cura gay; surgiu por meio do projeto de lei do ex-deputado federal, Paes de Lira, que visava permitir que psicólogos tratassem da homossexualidade. O texto foi assumido pelo deputado João Campos (PSDB-GO), em 2011, após Paes de Lira não ser reeleito. Em 2013 a Câmara dos Deputados aprovou, por votação simbólica, requerimento do deputado para que o texto fosse retirado de tramitação.

"Estamos falando de internações compulsórias que se tornaram prisões perpétuas", Felipe Baére, psicólogo da Comissão Especial LGBT o Conselho Regional e Psicologia do DF

Cor e festa contra a "cura gay"

A organização calcula em 35 mil os participantes. A PM fala em 5 mil

Quem passou pela Praça do Relógio na tarde de ontem pôde sentir, mesmo que de longe, o clima animado da 12; Parada LGBTI de Taguatinga. A passeata, considerada a segunda maior manifestação social de direitos humanos e da cultura LGBT do Distrito Federal, reuniu mais de 35 mil pessoas. De acordo com a Polícia Militar, eram apenas 5 mil. Eles se expressaram com respeito e irreverência a favor da causa. A concentração começou às 13h e, aos poucos, o local foi ganhando cor, sons e personalidade.

Nesta edição, o evento com o tema ;Juntos formaremos um Arco-íris. Você não está só; foi às ruas vestindo as cores do arco-íris. As manifestações ocorreram contra a decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, que, no último dia 15, concedeu uma liminar que torna legalmente possível que psicólogos ofereçam terapias de reversão sexual, popularmente denominada por ;cura gay;. De acordo com o coordenador geral da parada, Michel Platini, a luta do grupo objetiva ganhar a visibilidade e o respeito necessários. ;Quando estamos juntos, criamos forças e podemos ser quem nós somos. Isso impulsiona as pessoas no dia a dia a continuar essa luta. É um meio de transformar a sociedade;, afirmou.

Para as estudantes Thereza Raquel de Brito, 19 anos, e Ana Paula Souza, 23, a manifestação foi uma oportunidade de mostrar que, com amor, as mudanças podem ser percebidas. ;Depois de todas essas decisões, o que podemos fazer é mostrar que estamos longe de sermos doentes por conta da nossa orientação sexual. Não precisamos mudar quem somos para sermos respeitadas;, disse Thereza.

Segundo dados do Censo Demográfico do IBGE, realizado em 2010, o modelo familiar formado por pai, mãe e filhos deixou de ser maioria no Brasil. Os novos arranjos já representam 50,1% dos lares brasileiros, contra 49,9% da formação tradicional. A parada de ontem reforçou isso. Juntos há mais de oito anos, o empresário Bernardo Portela, 53, e seu parceiro, o intercambista Max Leybe, 31, marcaram presença no local. ;Chegamos da Irlanda recentemente. Sempre que estamos no Brasil fazemos questão de frequentar esses eventos. Achamos incrível a diversidade e o fato de podermos nos divertir e lutar por algo que acreditamos;, disse Bernardo. O casal, assim como tantos outros presentes na parada, acredita que o amor, acima de tudo, precisa ser respeitado. ;A sociedade não pode fechar os olhos para nós;, ressaltou Max.

A animação das drags militantes Ruth Venceremos, 33, e Rafizza Fallafel, 27, também contagiou quem estava próximo ao som. ;Precisamos nos organizar para essa luta;, garantiram.

*Estagiárias sob a supervisão
de Paulo de Tarso Lyra

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