postado em 01/12/2017 12:04
Na contramão da investigação do uso de armas de eletrochoque em presídios de Goiás, que está sendo investigado pelo Ministério Público do estado, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 6433/16, que autoriza os agentes responsáveis pela execução de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes a utilizarem armas de eletrochoque em situações específicas.
O MP goiano abriu a investigação após denúncia de que agentes do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) foram flagrados usando armas de eletrochoque contra detentos que não ofereciam resistência. Dois servidores foram afastados nessa quinta-feira (30/11).
Responsável pelo inquérito, o promotor Marcelo Coutinho aponta que o uso desse tipo de instrumento, considerado não letal, gera preocupações. ;As armas não letais foram criadas e são utilizadas para contenção de agressões contra as pessoas e de forma a conter os presos, sem tirar a vida deles. Mas o que a gente tem percebido é que elas têm sido utilizadas como mecanismo de tortura;, aponta.
Já no Projeto de Lei, o propositor, deputado Cajar Nardes (PR-RS), diz na justificativa que a arma será utilizada para proteger internos, funcionários e terceiros e que só será empregada em situações específicas. A Agência Brasil procurou o deputado, mas ele não pôde dar a entrevista; a reportagem também não conseguiu contato com as organizações indicadas por sua assessoria.
O Projeto de Lei
O PL detalha que a arma poderá ser utilizada contra o que chama de ;interno não-cooperativo;, mesmo quando desarmado, se ele não puder ser imobilizado manualmente ou por meio mecânico, mas tiver que ser contido em razão de ;apreensão, captura, detenção ou custódia, se sua conduta ou reação puser em risco a integridade física de eventual vítima sob seu domínio, de terceiro não envolvido, do agente ou de si próprio"; de "descontrole emocional, se sua conduta ou reação puser em risco a integridade física própria, do agente ou de terceiro"; ou de tentativa de suicídio.
O agente poderá valer-se da arma contra interno que portar arma branca, ;se não for conveniente seu desarme por outra forma sem colocar em risco a integridade física de eventual vítima sob seu domínio, de terceiro não envolvido, do agente ou de si próprio;. Também abre possibilidade de uso para ;condução de interno perigoso; ou diante de ;interno não-cooperativo, portando arma de fogo;. A proposta permite, inclusive, o uso de arma de fogo pelos agentes, como último recurso para conter interno que estiver armado ou para custodiar ;interno perigoso;.
O projeto tramita em caráter conclusivo nas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; de Seguridade Social e Família; e de Constituição, Justiça e de Cidadania. Isso significa que é dispensada sua apreciação, em plenário, pelo conjunto dos deputados federais.
Crítica à proposta
O perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) Rafael Barreto critica a proposta. ;Não há outro país do mundo que tenha legislado expressamente autorizando eletrochoque contra adolescente privado de liberdade;, explica. Ele reconhece que há, nas unidades do sistema socioeducativo, diversos registros de rebeliões e outras formas de violência, mas discorda que essa situação se deva à falta de um aparelho repressor mais eficaz. A característica conflitual, aponta, está associada ao intenso confinamento dos jovens.
Conforme o MNPCT, a média de confinamento diário em alojamentos que se assemelham a celas é de 23 horas. No fim de semana, de 72 horas. ;O mecanismo visitou vinte unidades em doze estados e constatou que nenhuma delas garantia atividade externa todos os dias, como os presos têm, de 3 horas por dias. Os adolescentes, portanto, recebem um tratamento mais gravoso do que os adultos presos;, relata.
;O eletrochoque em nada vai coibir isso. O adolescente tem que ter esporte, cultura e lazer, além da educação formal, que deve ser de 4 horas por dia;, diz Barreto. Ele defende que, assim como nas escolas não se usa a força, mas sim o diálogo e outros mecanismos de mediação de conflitos baseados em educação, também não deve ocorrer nas unidades.
De acordo com a justificativa do PL, os agentes executores de medida socioeducativa trabalham de forma desprotegida. ;Em muitas ocasiões, tratando com adolescentes mais perigosos que certos delinquentes adultos, referidos profissionais ficam reféns da proibição de uso de armas que lhes protejam e às demais pessoas que convivem nos estabelecimentos de internação;, diz. Além da questão interna, acrescenta que o agente, ;não podendo portar arma por vedação legal, igualmente não pode adquirir arma para sua defesa extramuros devido à parca remuneração, que é regra. Não fosse a remuneração, ainda há a política governamental no sentido de restringir a concessão de porte à maioria dos cidadãos;.
Atualmente, as possíveis formas de abordagens de situações de conflitos estão estabelecidas no documento Parâmetros da Segurança no Atendimento Socioeducativo, o qual dispõe que ;em todo centro de privação de liberdade de jovens deve ser proibido o porte ou a utilização de armas por funcionário;. O documento detalha práticas mediativas e restaurativas tidas como estratégicas para a vida segura e protegida na comunidade socioeducativa, que envolve os adolescentes e também os profissionais e as famílias.
Baixa letalidade
O uso de armas de eletrochoque e outras de imobilização temporária é abordado pela Resolução n; 6 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que trata da garantia de direitos e da aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
No documento, o Conselho não utiliza a expressão ;não letais;, mas sim ;baixa letalidade;, já que esse tipo de arma pode levar à morte em algumas situações, como no caso de pessoas que tenham problemas no coração.
A resolução determina que ;não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do poder público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos; e que ;o uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente necessário para resguardar a integridade física do agente do poder público ou de terceiros, ou em situações extremas em que o suso da força é comprovadamente o único meio possível de conter ações violentas;.