Brasil

Aplicativo em parceria com CGU ajuda vítimas a denunciar casos de homofobia

Além do medo e da vergonha, vítimas de preconceito sexual hesitam em procurar o poder público, com receio da discriminação. Em parceria com a CGU, aplicativo voltado para a comunidade LGBTI quer dar voz aos casos ocultos

Deborah Fortuna
postado em 28/12/2017 06:00

Yuri conta que sofreu um caso de homofobia na saída de uma agência bancária, em Sobradinho.


Um jovem de 24 anos é empurrado no momento em que sai de uma agência bancária, em Sobradinho. ;Você não é homem, não?;, pergunta o agressor antes de ir embora. A vítima, Yuri Turate, assim como muitos jovens e adolescentes, apesar de não gostar de rótulos, considera-se parte do grupo LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais). O cenário e a vítima mudam, mas a mesma história se repete nas ruas espalhadas por todo o país.

Apesar dos variados relatos, as denúncias são escassas. Seja por medo, vergonha ou descrença em uma ação efetiva, eles ainda hesitam em procurar o poder público. Uma prova disso são os resultados do aplicativo Todxs, lançado em junho deste ano, que recebe denúncias de agressões homofóbicas e mapeia os locais inseguros para a comunidade LGBTI. Com 4,6 mil downloads, o aplicativo recebeu 73 denúncias. Mas uma parceria com o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) pode ajudar a aumentar o número em 2018, já que apenas na primeira semana de trabalho em conjunto foram 20 reclamações. Até o meio do ano que vem, a expectativa é de que o número de usuários chegue a 10 mil.

Para Yuri, a escassez de denúncias ainda se deve ao medo e à falta de apoio. ;Uma vez fui denunciar um caso de Maria da Penha e homofobia. O policial se omitiu. Disse que ;em briga de marido e mulher não se mete a colher; e acrescentou que homofobia não era crime;, contou. ;Se a gente cria coragem para denunciar e os órgãos agem dessa maneira, a gente pensa que não vale a pena se expor;, completou.


É o que também pensa a estudante Alyssa Volpini, 27 anos. Há um tempo, ela e a então namorada sofreram um ataque de um grupo de adolescentes. As duas estavam sentadas em uma praça, quando ouviram um barulho em cima do carro estacionado. ;Eu saí pra ver e era um bolo de terra com pedras. E aí, um monte de criança saiu rindo gritando ;lésbicas, sapatão, vão para o inferno, têm que morrer;;, relatou.

Com medo, elas entraram no carro e, depois de algum tempo, saíram em busca do grupo agressor. ;A gente foi tirar satisfação e eles disseram que nós duas não podíamos ficar juntas. Eu acho que foi mais um susto, mas aí percebemos de onde vem a intolerância. Muito é por conta dos pais;, disse. Ela não chegou a fazer boletim de ocorrência contra o grupo de crianças. ;A gente quer denunciar e ter um lugar seguro. A gente enfrenta preconceito quando tem que denunciar. Você cria coragem para ir até lá, mas o atendente coloca em prova a sua sanidade, ou o ato que aconteceu, e aí você se diz que não vai mais, e aceita sua condição;, opinou.

Avaliação

É nesse sentido que também entra a importância de um aplicativo (veja quadro ao lado) voltado para a comunidade LGBTI, segundo o diretor de tecnologia do Todxs, Carlos Assis. ;O aplicativo terá uma avaliação do serviço público. Se for feito um boletim, a gente quer que o usuário avalie o atendimento. E isso é repassado para a CGU. A avaliação é se o usuário foi coagido a não fazer a queixa, ou se houve piada ou algum tratamento diferenciado;, explicou Assis. Pelas questões de termo de serviço e privacidade, o registro é anônimo, mas ele explicou que isso deve mudar no futuro, para que as pessoas possam se identificar, se quiserem.

[SAIBAMAIS]A parceria com a CGU é um caminho para o melhor atendimento da comunidade, segundo o chefe de gabinete da Ouvidoria-Geral da União, Marcos Lindenmayer. Há alguns anos, havia apenas um canal da ouvidoria, e as denúncias que a população fazia por meio desse canal não chegavam ao conhecimento dos órgãos responsáveis. ;A gente tem notado que a população vem criando formas de comunicação e é difícil fechar os olhos para isso, e a sociedade vem criando aplicativos muito interessantes;, explicou.

A CGU tem procedimentos distintos para cada tipo de denúncia que chega até a Ouvidoria-Geral. Segundo Lindenmayer, cada denúncia é avaliada e repassada aos departamentos e aos gestores responsáveis pela área reclamada. No caso de um atendimento ruim no serviço público, como é o caso de ser maltratado em uma delegacia no momento de prestar uma queixa, o órgão responsável será avisado para que seja feito uma apuração disciplinar. Outro ponto é que com as denúncias, a CGU pode avaliar as políticas públicas. ;Essas denúncias são fundamentais para que a gente tenha esse reconhecimento, modele e passe para os órgãos e administrações para que eles criem políticas públicas melhores;, concluiu.


Como funciona

O aplicativo Todxs é uma ferramenta educacional e preventiva à discriminação.

Ele apresenta três opções aos usuários:
1) Consultar leis específicas à comunidade LGBTI
2) Verificar organizações representativas ou de apoio
3) Realizar denúncias sobre agressões.


; Se o usuário informar o lugar onde sofreu uma agressão homofóbica, o aplicativo traz um mapa dos locais de risco para a comunidade, e compartilha com outros usuários.

; Desde 18 de dezembro, há uma parceria com o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU). O download é gratuito e está disponível nas plataformas Android e iOS.

Dados*
4.644 downloads
73 denúncias, sendo que 20 após a parceria com o CGU.
70% das denúncias são das regiões Sul e Sudeste
* até 25 de dezembro

;O aplicativo terá uma avaliação do serviço público. Se for feito um boletim, a gente quer que o
usuário avalie o atendimento. E isso é repassado para a CGU;

Carlos Assis, diretor de tecnologia do Todxs

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