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Brasil se abre a empresas estrangeiras fabricantes de armas

Empresa austríaca de pistolas semiautomáticas conquista espaço no mercado brasileiro de armas a partir de contratos firmados sem licitação com corporações policiais. Compradores dizem que produto é exclusivo

Renato Souza
postado em 14/01/2018 08:00
Dados revelam a abertura do Brasil para a indústria internacional de armas e a quebra de um monopólio que durou 90 anos para os fabricantes nacionais

Uma série de contratos firmados sem licitação por órgãos de segurança pública com a austríaca Glock destinam uma fatia significativa dos recursos do mercado nacional de armas para a empresa. Desde que vendeu o primeiro lote de pistolas semiautomáticas para uma instituição brasileira, em 2005, a multinacional tem avançado no comércio interno e nos últimos três anos fechou negócios que chegam ao patamar de R$ 21 milhões.

Levantamento realizado pelo Correio, com base em publicações do Diário Oficial, aponta que desde a primeira transação entre a companhia e o setor público os recursos envolvidos ultrapassam os R$ 31 milhões. Os dados revelam a abertura do Brasil para a indústria internacional de armas e a quebra de um monopólio que durou 90 anos para os fabricantes nacionais. A briga pelo mercado pode aumentar o lobby para mudanças e até eventual queda no Estatuto do Desarmamento, a partir da pressão da indústria.

Os números que movimentam esse mercado milionário seguem desconhecidos, já que desde a fusão da Taurus com a Companhia Brasileira de Armas (CBC), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deixou de divulgar o montante referente ao setor. O último dado levantado pelo IBGE é de 2014. De acordo com dados do órgão, entre 2012 e 2014, a produção e comercialização de armas de fogo movimentaram cerca de R$ 350 milhões por ano.

Os contratos realizados pela Glock se aproximam de 10% deste valor. Somente para a Polícia Rodoviária Federal (PRF), como o Correio revelou em reportagem de 17 de dezembro, a Glock firmou contrato de R$ 18 milhões para a venda de 10 mil pistolas calibre 9x9mm para serem usadas pelos agentes da corporação.



[SAIBAMAIS]O primeiro contrato da companhia austríaca com uma instituição brasileira foi com a Polícia Federal, em 2005, para a aquisição de 5 mil armas, sendo 4 mil pistolas do modelo G-17. Na época, a empresa recebeu o montante de R$ R$ 5,1 milhões. Neste mesmo ano, a Glock apresentou ao Exército Brasileiro um pedido para implantar uma fábrica em território nacional. O contrato e o interesse no mercado interno coincidiram com o momento em que os brasileiros iam às urnas para decidir sobre o comércio de armas de fogo. Ao longo dos anos a empresa foi escolhida para fornecer armamento para instituições de diversos estados.

Em 2017, de acordo com publicações oficiais, a Glock vendeu quatro lotes de armas para órgãos públicos. A maior compra foi realizada pela Polícia Militar do Paraná, que adquiriu 850 pistolas por
R$ 1.383.219,34. A PM do Distrito Federal fez a compra de 250 pistolas por R$ 410 mil. No Rio de Janeiro, em 2015, a Polícia Militar pagou R$ 715 mil por pistolas que foram distribuídas para agentes que fazem o patrulhamento urbano e combate ao crime organizado. A corporação não informou a quantidade de equipamentos comprados. O Ministério Público do DF comprou 30 pistolas da Glock, no valor de R$ 46 mil.

O avanço das empresas estrangeiras no mercado nacional ficou mais evidente com a edição da legislação que trata do setor de armas. Uma mudança na portaria R-105, do Exército Brasileiro, que está sendo avaliada pela Casa Civil permitirá a importação de revólveres, espingardas e pistolas para órgãos de segurança pública. A mudança que colocou em prática a abertura de mercado para companhias do exterior veio por meio da Portaria 841, de 4 de setembro de 2017, em que o governo autorizou a Ruag Indústria e Comércio de Munições Ltda, da Suíça, a atuar no território nacional.

Essa mudança representou o fim do monopólio da CBC, que durou 90 anos por conta da proibição de exportar produtos do exterior quando existe oferta na indústria nacional. O que pesou nesta alteração da lei foram as falhas identificadas nas pistolas 24/7 da Taurus, que, de acordo com o Ministério Público, disparavam sozinhas e apresentaram defeitos de fabricação.

Com a entrada de gigantes estrangeiras do setor de armas, o lobby para mudanças e até a queda em leis que restringem o comércio de armas podem aumentar. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a entrada de armas em circulação vem crescendo no país. Em 2004, cerca de 5 mil armas entraram em circulação por meio do porte concedido para cidadãos. Em 2014 esse número se aproximou de 50 mil, apresentando um crescimento de 1000%.

A compra de armas pelos órgãos de segurança pública é autorizada pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército (DFPC). Na falta de uma agência reguladora, a diretoria funciona para monitorar e definir regras para aquisição de armas. A DFPC também é responsável por autorizar a importação de qualquer tipo de armamento por parte de instituições nacionais. À reportagem, a DFPC informou que ;não possui nenhuma responsabilidade no processo administrativo de compra das armas, somente na permissão para a aquisição;. Em novembro do ano passado, um acordo entre deputados permitiu a votação de projetos de lei voltados para a segurança pública. Entre as intenções estava a de votar a revogação do Estatuto do Desarmamento. No Senado Federal tramita o projeto 175/2017, que prevê a realização do plebiscito no mesmo dia das eleições de 2018 com a finalidade de propor a queda da lei que restringe o porte de armas.

Outro lado

Consultadas pela reportagem, as instituições citadas alegaram que ;a compra de armas da Glock ocorre por conta da ausência de produto similar na indústria nacional;. As PMs do DF e do Rio de Janwiro responderam que as armas da Glock são padronizadas para o Bope. A arma adquirida ;trata-se de um equipamento diferenciado, de qualidade e operacionalidade reconhecida internacionalmente e utilizado por diversas forças especiais e policiais no mundo, inclusive a SWAT, nos EUA;. A Polícia Rodoviária informou que ;o processo de compra seguiu as formalidade legais exigidas, estando o processo de compra de acordo com a legislação vigente;.

O MP do DF afirma que a inexibilidade de licitação ocorreu por conta da inviabilidade de competição, prevista no artigo 25 da Lei n; 8.666, ;uma vez que a pistola é o único produto a possuir um sistema de segurança, conhecido por Sistema de Ação Segura;. Segundo a nota, ;isto é atestado por meio de laudos e pelo Instituto Nacional de Criminalística, que destacaram que o sistema é exclusivo das pistolas Glock e objeto de patentes;. O MP disse que a empresa apresentou preço ;muito abaixo do praticado no mercado para este mesmo modelo;, além do baixo custo de manutenção, o que ;significa economia de recursos no longo prazo;.

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