Brasil

Deportação de brasileiros cresceu 29% com o governo Donald Trump

Cerca de 410 mil brasileiros vivem nos EUA, um quarto deles de forma ilegal. Na era pós-Trump, a deportação aumentou, gerando insegurança

Flávia Ayer/Estado de Minas
postado em 22/01/2018 16:36
Welington Rocha deixou a mulher, Luciana, e enteados ao ser obrigado a retornar ao Brasil
Washington e Cincinatti ; Em seu primeiro ano à frente da nação mais poderosa do mundo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que prometeu, ao longo da campanha, devolver a Terra de Tio Sam aos americanos e construir um muro na fronteira com o México, tem tirado o sono de imigrantes com agenda restritiva a estrangeiros. No EUA pós-Trump, a deportação de brasileiros cresceu 29%, embora o país nem esteja na mira do republicano. Famílias estão sendo separadas e uma atmosfera de medo toma conta de quem está na clandestinidade. Cerca de 410 mil brasileiros vivem nos EUA, um quarto deles de forma ilegal.
O último levantamento da população brasileira nos EUA é de 2016, conforme dados do U.S. Census Bureau. Não há estatísticas atualizadas sobre imigrantes ilegais, mas, em 2014, eles chegavam a 105 mil, a maior parte em Boston (Massachusetts) e na Flórida. Os brasileiros representam quase 10% da população de 42,1 milhões de imigrantes nos EUA, cerca de 11 milhões sem documentos para permanecer no país de Trump.

De acordo com o departamento de Imigração e Alfândega dos EUA (U.S Immigration and Customs Enforcment - ICE), o número de brasileiros deportados cresceu de 1.095, em 2016, para 1.413, no ano passado, um aumento de 29%. O que nos documentos oficiais são somente estatísticas é um sofrimento na vida do casal de mineiros Luciana e Welington Rocha, ambos de 37 anos. Ilegal no país há 14 anos, ele estava na esperança de regularizar a situação. Acabou deportado em outubro, sendo obrigado a voltar para a zona rural de Conselheiro Pena, no Leste de Minas, e se separar da esposa e dos três enteados, que continuam em Nashua, no estado de Nova Hampshire, próximo a Massachusetts.

;Estou dormindo à base de remédios desde que meu marido foi deportado. Havíamos acabado de comprar uma casa, que agora está enorme sem ele. Tive que arrumar um emprego, porque era o Welington quem trabalhava;, conta Luciana, natural de Resplendor, também no Leste de Minas, região famosa pelos migrantes que vão atrás do ;sonho americano;. ;Estamos vivendo um pesadelo;, diz. Há quase 20 anos nos EUA, Luciana tem a cidadania, assim como seus três filhos, do primeiro casamento com um norte-americano.

Ela se separou em 2011 e, no ano seguinte, conheceu Welington, que fez a arriscada travessia pelo México para conquistar a América. Apaixonou-se pelo conterrâneo e os dois se casaram em 2013, quando começaram também os trâmites para regularizar a situação do marido. ;Pedi a autorização de trabalho para ele, Welington conseguiu o ;stay; (permissão para ficar) em 2014 e, em agosto, quando foi se apresentar ao ICE novamente, já avisaram que era para comprar a passagem de volta;, lembra.

Perdão

Mesmo sabendo da política linha dura de Trump, a notícia foi um choque. ;Não achava que ele era prioridade, mas disseram que todos com carta de deportação vão ter que retornar. No meu estado são seis brasileiros. Entramos com o processo para pedir o perdão, mas isso deve demorar dois anos;, conta Luciana, que luta para que o marido consiga voltar aos EUA. ;Ele voltou a viver na roça com os pais;, diz.

Entre os cidadãos legais no país, o controle do governo também aumentou. O medo de um eventual problema leva moradores a evitar a exposição pública, mas eles observam que a fiscalização está maior. No voo de BH para Miami, a reportagem conheceu um mineiro que há dois anos se mudou para Kansas, depois de se casar com um americano ; por amor. É bom frisar isso porque há casos de casamentos arranjados no exterior para conquistar a permanência legal nos EUA.

;Depois do Trump, toda vez que chego aos EUA, eles me levam para uma salinha para conferir meus documentos;, conta o mineiro. Ao passar pela imigração, no Aeroporto de Miami, a via sacra se repetiu e, mesmo com o Greencard, ele foi novamente submetido a inspeção rigorosa. ;Já estou ficando acostumado;, diz.

Linha dura

Com Trump na presidência, não há qualquer perspectiva de afrouxar o controle. ;Não vejo no governo a tendência em aliviar os requisitos de vistos, considerando a atual política dos EUA em torno da imigração;, afirma o especialista em América Latina, Jason Marczak, do Atlantic Council, organização norte-americana de estudos sobre políticas internacionais. ;Na América do Sul, a atenção da Casa Branca está focada na Venezuela e, com as eleições brasileiras este ano, não percebo muita força em avançar questões sensíveis até um novo presidente assumir;, completa.

Há um lado positivo nisso, na avaliação do professor de Governo e Relações Internacionais da Georgetown University, Matthew Kroenig. ;O Brasil não está sendo tratado como prioridade e talvez seja um bom sinal. Trump está priorizando situações como a Coreia do Norte, o acordo nuclear do Irã;, afirma.

Em situação mais vulnerável que brasileiros estão cidadãos muçulmanos e de países como El Salvador, Haiti, Nicarágua e Equador, que perderam a designação de status temporário de deportação. Eles terão que regressar ao país de origem até 2019. ;Não estamos num bom momento para falar sobre isso;, comenta uma cabeleireira de El Salvador, quando questionada sobre o governo Trump, em Washington.

O Brasil clandestino no país de Trump


Total de brasileiros ilegais nos EUA....105 mil

Principais regiões
Massachussets.....................................27 mil
Flórida.................................................18 mil
Nova Jersey..........................................14 mil
Califórnia..............................................7 mil
Nova York..............................................6 mil
Connecticut..........................................6 mil
Pensilvânia...........................................4 mil
Georgia................................................4 mil
Maryland..............................................3 mil
Texas....................................................2 mil
Carolina do Norte..................................2 mil
Virginia.................................................2 mil

Fonte: Migration Policy Institute, com dados do U.S. Census Bureau

Imigração no topo da agenda

Com discurso nacionalista, Trump tem colocado a questão da imigração no topo de suas prioridades. Ironicamente, os EUA, onde vivem 42,1 milhões de imigrantes, têm nesse movimento sua origem e marca. Relatório do Instituto de Políticas Migratórias (Migration Policy Institute) sobre o primeiro ano do presidente aponta que admissões de refugiados diminuíram ao menor nível desde a criação do programa, em 1980. O documento indica, em 2017, crescimento das prisões de imigrantes ilegais no interior dos EUA.

Trump também cancelou o programa Ação Diferida para Ingressos Infantis (DACA, na sigla em inglês), que concedia autorização de trabalho e moradia a quem chegou nos EUA ainda criança de forma clandestina. A construção de um muro na fronteira com o México tem sido objeto de negociação intensa do presidente e a meta é que o vizinho arque com os custos da construção.

Na quinta-feira, Trump foi incisivo quanto à sua intenção de proteger as fronteiras. ;Preciso do Muro para a segurança do nosso país. Precisamos do Muro para ajudar a parar a entrada maciça de drogas do México, agora classificado como o país número 1 mais perigoso do mundo. Se não há Muro, não há acordo!”, escreveu no seu perfil do Twitter. A previsão do muro tem sido objeto de pressão de Trump no Congresso.

Barreiras

O relatório do Instituto de Políticas migratórias, no entanto, observa que, apesar da intenção do governo de fechar o cerco a imigrantes, Trump tem encontrado barreiras. ;O apoio para reduzir radicalmente a imigração legal e reformular a seleção de trabalhadores nascidos no exterior ainda não conseguiu obter uma força significativa no Capitólio. Nem os legisladores providenciaram os bilhões de dólares necessários para fechar a fronteira entre os EUA e México ou adicionar milhares de agentes adicionais de patrulha da fronteira e oficiais de imigração;, indica o texto.

*A repórter é um dos nove participantes do programa ;Cobertura da Presidência dos Estados Unidos 2018;, organizado pelo International Center for Journalists (ICFJ) e promovido pela Embaixada dos EUA. Também integram o grupo jornalistas de Gana, Paquistão, Quênia, Reino Unido e Uruguai.

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