Brasil

Mulheres estão menos tolerantes ao assédio no carnaval, dizem foliãs

Organizações que combatem a prática têm incentivado as mulheres a denunciar as abordagens à polícia, como forma de pressionar por políticas e mudança de mentalidade

postado em 14/02/2018 15:59

O bloco feminista Mulheres Rodadas desfila no Largo do Machado, zona sul do Rio
Com recado estampado em coxas, seios, pernas e braços, as mulheres disseram ;Não é não;, ao assédio, neste carnaval. No Rio, adesivos com a mensagem fizeram sucesso nos blocos, dentro e fora do circuito oficial, na tentativa de conscientizar contra a violência à mulher. No entanto, relatos de desrespeito revelam que somente políticas públicas de longo prazo podem interromper a cultura da força.

Ao acompanhar o Bloco da Favorita e ouvir funks antigos, no último sábado (10/2), Mariana dos Reis Santos acabou se arrependendo antes mesmo de chegar ao local que escolheu para se divertir. ;Quando eu passava, ouvia palavras de baixo calão, vindas de um grupo de homens. Eles assobiavam e fui ficando muito insegura;, disse. ;Cheguei no bloco, tinha uma quantidade enorme de homens, em bando, querendo agarrar as meninas. Então, fui embora;.

Evitar os mega blocos e restringir as opções acabou sendo a solução para o casal de lésbicas Cecília Monteiro e Gisele Lopes, que escolheram o Toco-Xona, bloco formado por LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), domingo. ;Não vamos em bloco grande da zona sul, porque não tem condição. A gente transita em blocos alternativos, gays e, mesmo assim, temos medo durante o deslocamento;, disse Cecília. As jovens relataram que muitos homens ainda respondem à espontaneidade do casal com agressões e que as duas precisam decidir, o tempo todo, entre manifestações de carinho e cuidados, para se manterem seguras

;As pessoas não nos reconhecem como casal. O cara finge que não estamos de mãos dadas, finge que a gente não está se beijando, chegam, puxam o cabelo, xingam, falam que precisamos de algo. O tempo todo é um discurso de estupro corretivo;, completou Gisele.

Em blocos menores, conhecidos por atrair famílias e foliões engajados, como o Cordão do Boitatá, as mulheres se mostraram mais à vontade. Ali, Olegária Porto usava um sutiã transparente, mas só porque estava rodeada de amigos, disse. Para ela, o medo da violência está sempre presente, embora a cada ano as mulheres reajam mais a abordagens desrespeitosas. ;O não é não;, frisou. ;Tudo o que vier depois, é assédio.;

Políticas públicas contra oassédio


Uma das organizadoras do bloco feminista Mulheres Rodadas, Renata Rodrigues, que saiu nesta Quarta-Feira de Cinzas, no Rio, avalia que é preciso mais do que campanhas de conscientização, como fazem órgãos públicos e organizações de mulheres. Na sua opinião, a realidade não vai mudar sem políticas de prevenção e repressão.

;Desde que o bloco apareceu, em 2014, estamos falando de questões de violência e de carnaval sem assédio. Então, posso dizer, com segurança, que ajudamos a pautar e a popularizar essa discussão. Hoje, as mulheres estão mais informadas e menos tolerantes;. Muitos homens, no entanto, ainda se recusam a enxergar o problema. ;É só um elogio, uma cantada e, nessa suposta confusão, aproveitam para passar os limites;, acrescentou.

Renata lembrou ainda da pesquisa do Data Popular, de 2016, que revela que 61% dos homens acham que mulher solteira no carnaval ;não pode reclamar de cantada;.


Estatística


O poder público ainda não tem um número nacional dos casos de assédio no carnaval, mas os dados oficiais mostram que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no país. Organizações que combatem a prática têm incentivado as mulheres a denunciar as abordagens à polícia, como forma de pressionar por políticas e mudança de mentalidade.

Entre as iniciativas, está a campanha Aconteceu no Carnaval, que montou um site para receber relatos de vítimas de assédio no carnaval, de forma anônima. ;Quebrar o silêncio fortalece as mulheres;, justifica o projeto. ;Só quem deve ter vergonha do que aconteceu é o agressor;. O site está disponível no site (www.aconteceunocarnaval.org).

Para buscar ajuda, a vítima também pode ligar gratuitamente para o serviço telefônico 180.

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