Todos os dias, Raphaella ligava para a avó ao chegar na escola. Era a senha para a dona Antônia finalmente se sentir aliviada. O telefonema tinha dois significados. O primeiro, imediato. Depois de percorrer três quilômetros em cerca de 20 minutos, a neta estava segura. O segundo era mais simbólico para dona Antônia, 56 anos: o colégio representava o conhecimento, a chance de aprendizado para a menina de 16 anos.
No caminho da escola, Raphaella encontrava uma prima e iam juntas. A avó jamais imaginou que o local, considerado seguro, seria onde Raphaella seria assassinada. Ela foi morta dentro da sala de aula no Colégio Estadual 13 de Maio, em Alexânia (GO), a 48km de Brasília e a 123km de Goiânia. Estava no 9º ano do ensino fundamental.
Minutos antes de chegar ao colégio, em 6 de novembro de 2017, Raphaella Noviski, então com 16 anos, recebeu uma ligação do assassino. Ele fez uma única pergunta: “Está preparada?”. Em seguida, desligou. Ela achou que fosse brincadeira, perguntou quem era. Não houve resposta. Conhecido da menina, o ex-aluno da escola Misael Pereira Olair, 19 anos, estava decidido. Na aula de geografia, por volta das 8h, o covarde entrou na sala e, a apenas meio metro da menina, descarregou duas vezes o revólver .32. Como a arma tem um tambor de seis balas, ele ainda teve tempo de colocar mais munição para continuar os disparos contra Raphaella, no chão.
Segundo a delegada chefe da Delegacia de Alexânia, Rafaela Azzi, como já havia estudado na escola, Misael não teve dificuldade em circular pelo local. Ele entrou na primeira sala, que estava vazia. Depois, na segunda sala. Mascarado, foi reconhecido por Raphaella, ela e os colegas da sala riram. “Ela pensou que fosse parte de um teatro, não entendeu a gravidade. Ele então disparou contra ela. Não mostrou arrependimento no momento da prisão. É uma pessoa extremamente fria.”
Misael citou como o motivo do crime a rejeição por parte da menina. O motivo, segundo a polícia: feminicídio. Raphaella era mulher e apenas disse “não”. Em depoimento, ele contou que sentia ódio da moça. “Tentei namorar com ela várias vezes, mas sempre fui rejeitado. Cada vez que dava errado, mais ódio tinha. Foi então que tive a ideia de comprar a arma” afirmou para a delegada.
Disse que cometeria suicídio após matar Raphaella, tomando um veneno para matar rato, encontrado com ele depois do crime.
O assassino chegou a ir à casa dela e oferecer um presente no mês do aniversário da jovem, mas não teve coragem de entregar. A avó pediu que ele fosse embora. Segundo a investigação, ele arquitetou o crime durante um ano e comprou o revólver por R$ 2,3 mil.
Durante os disparos, os estudantes saíram da sala. Ele ainda tentou fugir, mas acabou preso em flagrante a 300m da escola. Estava de carona em um carro dirigido por um amigo, que chegou a ser investigado. Misael está em prisão preventiva e aguarda julgamento no presídio de Aparecida de Goiás. pena pode chegar a 30 anos de prisão. Outras duas pessoas foram indiciadas pela venda da arma do crime.
A comerciante Rosângela Cristina Afonso da Silva, 37 anos, mãe de Raphaella, conta que, desde a morte da filha, perdeu peso e não consegue dormir. Apenas cochila, mas acorda com os pesadelos. “Minha filha foi morta de maneira cruel dentro da escola, onde deveria estar segura. Ele ficava encarando ela na escola e a matou porque não queria namorar. Sentimento de posse, sem possuir. Sinto ódio, revolta. Se ela não queria, por que ele não procurou outra pessoa? Ele não é capaz de conquistar ninguém, daqui a pouco está na rua matando de novo. Quero a maior pena possível para ele.”
Rosângela acrescenta que a menina tinha o sonho de ser professora. “Minha filha era muito tranquila e planejava dar aulas. Na última vez em que esteve aqui em casa, pediu emprestado um casaco. Ficou com o o cheiro dela. Não tive coragem de lavar. Não é fácil”, desabafa.
Raphaella vivia com a avó em Alexânia, mas, aos finais de semana, ia para a casa da mãe, em Vicente Pires. “Ela queria se mudar para Brasília, mas dizia que, enquanto a avó estivesse viva, não viria. Elas eram unha e carne. Vim para cá a trabalho, mas éramos muito próximas.”
A mãe conta que não há um dia em que não se lembre de Raphaella. “Lembro dela em tudo, na hora de levantar até deitar. Na hora de tomar café, que ela adorava. Nossa perda é irreparável. Tentamos seguir em frente, mas família é igual a um quebra-cabeças. Tirou uma peça, por mais que reúna todas as outras, nunca mais vai ser igual, sempre vai estar faltando.”
No dia do enterro, o caixão seguiu fechado por causa do estado em que ficou o rosto da menina. Balões brancos que simbolizaram a partida dela foram soltos durante a cerimônia. Antônia Afonso da Silva, a avó, conta que ainda hoje espera por Raphaella, no portão de casa às 11h30, quando seria o horário de ela voltar da escola.
“Eu espero, fico olhando para o caminho, mas ela não vem. E aí eu me lembro do que aconteceu. Criei como se fosse minha filha, desde pequena. Queria entender por que esse monstro fez isso com ela. Queremos justiça. Ela gostava de estudar, e no fim de semana, ia para a igreja. Era só o que ela fazia. Ele acabou não só com a vida da minha neta, mas com a minha.”