Gabriela Vinhal
postado em 08/03/2018 06:00
Há mais de um século, mulheres foram mortas incendiadas por protestarem por direitos. À época, mais precisamente em 1857, elas queriam licença-maternidade e melhores condições de trabalho. A tragédia fez com que, posteriormente, fosse instituído o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. A data é lembrada com dor, mas também reconhecimento por ter sido um dos principais passos na luta feminista pela igualdade. Contudo, com o passar do tempo, a influência do mercado ofuscou o verdadeiro significado da data, e mulheres passaram a ganhar presentes. A bonificação, no entanto, não representava autonomia, tampouco novas vagas em cargos de chefia. Eram flores e bombons para parabenizá-las, de uma certa maneira, apenas por serem mulheres. E nada mais.
Há algum tempo, a mobilização das mulheres para que o 8 de março fosse ressignificado fez com que a data fosse levada às ruas ; com intervenções, protestos e debates. O que antes era instrumento de luta, atualmente está na Consolidação das Leis do Trabalho ; a licença-maternidade no Brasil foi aprovada em 1943. Um item riscado entre tantos outros da lista de demandas do movimento. Agora, no Dia Internacional da Mulher, a exigência é por mais representatividade, segurança, autonomia sob o próprio corpo, seguir a orientação sexual que lhes convir, viver da maneira como bem entenderem. Pela dignidade, pelo respeito e pelo direito de ir e vir sem medo.
A socióloga e professora da Universidade de Brasília Tânia Maria Campos de Almeida explica que o mercado se apropriou da data para fazer negócio. Assim, a descaracterização do dia veio como consequência. "A indústria retirou o poder político dessa data. É fundamental retomar a essência e entender que é um dia de luta por nossos direitos, que, por sinal, não estão garantidos", pontua. Para a especialista, é preciso uma mudança de mentalidade não só das mulheres, que devem ir à luta por seus ideais, mas principalmente dos homens. A reflexão e os atos, segundo Tânia, devem atingir a sociedade de uma maneira estrutural.
"Alguns homens precisam ter autocrítica e entender que ;precisam ser homens; de outra maneira. Entendo que eles sejam também reféns do machismo, porque são cobrados. Mas isso não os deixa isentos de identificar o lugar deles de privilégio. Não há uma reflexão crítica nisso", justifica. Tânia diz ainda que o patriarcado e o machismo surgem com novas caras. Para superá-los, são necessárias a educação, a informação e a empatia da população. "A sociedade tem características de uma sociedade moderna, mas com problemas antigos. É preciso identificar novas maneiras de fazer frente contra a opressão. Não é só uma simples questão de educação formal. É um problema de pensamento que atinge a elite, os privilegiados".
A professora atribuiu ao avanço das tecnologias e à criação das redes sociais o engajamento cada vez maior de jovens meninas na militância feminista. "As mulheres entram na militância cada vez mais novas e isso é um fenômeno recente. Os novos instrumentos de comunicação são uns dos maiores responsáveis por esse engajamento, porque unem mulheres de diferentes idades, em uma conversa horizontal e com fácil acesso às informações".
Conscientização
As ativistas Clareana e Letícia, do Coletivo Nós na Rua, explicam que, apesar da militância, ainda é difícil voltar ao foco principal do 8 de março, porque "a sociedade é estruturada no machismo e no patriarcado". Para elas, as marchas simbolizam o início de um movimento de conscientização sobre os direitos das mulheres. ;Vamos a manifestações principalmente para denunciar a violência e a falta de democracia que atinge diretamente as nossas vidas. Somente com muita luta conseguiremos um 2018 com uma mudança de cenário. Estar na militância é estar viva;, acrescentam.
Nesta quinta, mulheres, organizações feministas, entidades sindicais, movimentos sociais e estudantis marcham, na Esplanada dos Ministérios, pela vida das mulheres, em defesa da democracia, da igualdade de gênero e contra o racismo. O ato "8 de Março Unificadas" começa às 13h, com atividades culturais e políticas, e termina às 17h, com um protesto que seguirá até o Congresso Nacional, onde será encerrado o evento. São esperadas ao menos 10 mil participantes, de acordo com a organização do ato unificado.
Uma das coordenadoras à frente do ato, Cleudes Pessoa, ativista feminista do Fórum de Mulheres do DF e Entorno e da Articulação de Mulheres Brasileiras, afirma ao Correio que serão discutidos, principalmente, temas que afetam diretamente a vida e a segurança das mulheres no país, como o racismo, o feminicídio e o desmonte de políticas públicas nos últimos anos. ;É fundamental que as mulheres compareçam em peso, porque esse ato, essa paralisação, simboliza a celebração de nossas lutas. Foram muitas mulheres que vieram antes de nós para garantir nossa liberdade de luta pela igualdade de gênero;.
Conquistas das mulheres no Brasil
1919 Foi criada pela bióloga Bertha Lutz a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922). Representou o Brasil na assembleia geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos.
1932 As mulheres conquistaram o direito ao voto.
1975 Os jornais Nós Mulheres e Brasil Mulher foram criados para discutir sobre a questão da mulher.
1978 No Congresso da Mulher Metalúrgica, as mulheres intensificaram a luta por creches, direitos trabalhistas, salários iguais ao dos homens, serviços de atendimento e pela divisão do trabalho doméstico.
1985 Foi criada a primeira Delegacia da Mulher no país.
1997 Foi sancionada a cota de mulheres na política brasileira. A lei 9.504 garante a reserva de, no mínimo, 30% de mulheres candidatas durante as eleições.
2006 Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Maria da Penha foi criada para combater a violência doméstica contra a mulher no Brasil. A lei determina que que a violência doméstica ; física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral ; é crime.
2015 A Lei do Feminicídio colocou a morte de mulheres no rol de crimes hediondos e diminuiu a tolerância nesses casos.