Jornal Correio Braziliense

Brasil

Opinião: Sempre presente

No momento em que escrevo, ainda não sabemos exatamente quem matou a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Mas sabemos todos o que os matou. Ignorância, preconceito, maldade, corrupção e o motivo mais forte: o desejo de que nada mude. O medo de que a voz dela fosse ouvida ainda mais, que seu ativismo pudesse causar uma transformação real, que sua altivez encorajasse outros pretos, outras mulheres, outras pessoas a se insurgirem contra o racismo e o machismo, contra o genocídio da juventude negra, contra uma polícia que mata e contra as soluções rasteiras dos políticos para os problemas do Brasil.

Esse crime, lá no fundo, tem uma autoria coletiva. Não pela execução em si, mas por omissão sistemática, egoísmo, concentração de riqueza, roubalheira. Oprimida, com ou sem consciência, a sociedade brasileira tem sido calada. Por isso, Marielle tornou-se uma voz potente, uma presença forte, mesmo ausente fisicamente, uma lembrança mais viva do que nunca. A execução de Marielle e de Anderson conseguiu o feito de mobilizar, como nada mais, uma população entorpecida. Por todo o Brasil, física e virtualmente, houve protesto. Apareceu a dor; apareceu amor por quem se doou inteira a uma vida de luta pelas minorias.

Há algo maior nisso tudo. As investigações desse crime poderão levar a caminhos mais profundos, desconfio. Igualmente importante, no entanto, é que houve um despertar. A certeza de que não será possível simplesmente esquecer, virar a página, contar mais dois nas estatísticas. Desta vez, não. Não passará e é bom que não passe. É fundamental perdurar a sensação de que há limite para tudo, inclusive para tantas injustiças e vilanias. O povo brasileiro, em sua maioria, é vítima. Mas também precisa ser motor de transformações sociais. Marielle deixou esse legado. É preciso segui-la.