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"Ele me ameaçou de morte", diz vítima de brasiliense preso pela PF

Professora da Universidade Federal do Ceará, Lola Aronovich foi uma das principais vítimas de Marcelo Mello, preso nesta quinta-feira na Operação Bravata, que investiga crimes de ódio na internet. "Estou aliviada", diz ao Correio

Ana Carolina Fonseca - Especial para o Correio
postado em 10/05/2018 16:32
Professora da Universidade Federal do Ceará, Lola Aronovich foi uma das principais vítimas de Marcelo Mello, preso nesta quinta-feira na Operação Bravata, que investiga crimes de ódio na internet.
Uma das primeiras a denunciar os atos de perseguição e de ódio cometidos por Marcelo Valle Silveira Mello, preso na manhã desta quinta-feira (10/5), na Operação Bravata, da Polícia Federal, a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Lola Aronovich se tornou também uma das principais vítimas do ex-aluno da Universidade de Brasília (UnB). Mello, que já teve uma condenação na Justiça, mais tarde indultada, é acusado pela PF de associação criminosa, ameaça, racismo e incitação ao crime, sempre tendo a internet como principal veículo.

Ao Correio, a professora, autora do blog feminista Escreva Lola Escreva, diz que recebe com alívio a notícia da prisão de Mello, após tantos anos de ameaças. "Estou feliz. É um alívio, mas também é uma mostra da nossa força", afirma, mencionando as atuações de outras pessoas que também sofriam com os ataques do grupo alvo da operação da PF, que cumpriu, além da prisão, oito mandados de busca e apreensão em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Santa Maria (RS) e Vila Velha (ES).

Na entrevista a seguir, ela conta como foram as ameaças que sofreu de Mello e outros anônimos, revela que foi processada pelo próprio agressor depois de denunciá-lo e comenta a Lei n; 13.642, que atribui à PF a investigação de crimes na internet que propagam ódio ou aversão às mulheres. Sancionada em 3 de abril deste ano, a legilsação foi proposta pela deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) e é conhecida como Lei Lola por ter sido motivada justamente pela atuação da professora.

Por ser militante feminista, a senhora recebe muitas ameaças?
Sim. Não divulgo nem 1% das ameaças que recebo, porque não quero que o tema monopolize meu Twitter e meu blog. Mas recebo ameaças de morte e de estupro, entre outras, a todo momento.

Quando começaram?
Pouco depois da criação do blog, em 2008. Fiz a primeira denúncia em 2012. Em 2013, passei a salvar imagens das ameaças e as enviar à Polícia Federal, mas só em 2015 recebi uma resposta de que o caso seria analisado pela Divisão de Direitos Humanos da instituição. Porém, depois, recebi outro e-mail dizendo que esse tipo de crime não era atribuição da PF. Então, pouco antes do Natal de 2016, o reitor da universidade onde trabalho recebeu um e-mail dizendo que ele devia escolher entre me demitir e passar uma semana juntando restos de corpos no câmpus. Aí, a Polícia Federal investigou, por ser considerada ameaça de terrorismo.

O Marcelo Mello foi um dos que a ameaçou?
Sim. Quase todas as ameaças vêm de forma anônima, mas o Marcelo fazia isso publicamente. Ele me atacou e ameaçou de morte por seis, sete anos. Só parou no ano em que foi preso (em 2013, Marcelo Mello foi detido por ser flagrado planejando um ataque a uma festa de alunos das ciências sociais da UnB). Aí, minha vida foi uma calmaria. Mas, depois de ser solto, voltou a fazer as mesmas ameaças de antes. Mas, dessa vez, com a sensação de impunidade. Ele se vangloriava e dizia que não seria preso novamente. E chegou a me processar quando o denunciei (Lola relatou os ataques que sofria de Mello em seu blog).

Como foi esse processo?
Foram dois, na Vara de Pequenas Causas em Curitiba (onde Mello vive). No ano passado, entrou pela primeira vez. Quando percebeu que eu não iria até Curitiba, começou a ameaçar minha advogada, mas, então, desistiu. Imagine se eu iria lá, ficar frente a frente com quem me ameaça de morte, fala nas redes que vai me matar, estuprar, esquartejar. Não iria me colocar nessa situação. Agora, existe um segundo processo, em que ele pede R$ 10 mil de indenização. É ridículo. Este é um mundo em que os próprios agressores processam quem os denuncia e muitas vezes ganham.

Como a senhora recebeu a notícia da prisão dele?
Estou feliz. É um alívio, mas também é uma mostra da nossa força. Que sirva de lição, porque eles acham que a internet é terra de ninguém, que não vão ser presos. Só lamento que tenha demorado tanto. Foi muito tempo, muito sofrimento, muito dinheiro público gasto, porque os integrantes do grupo são de várias regiões do Brasil, o que resultava em investigações em diferentes cidades. Agora, torço para que a demora seja fruto de uma grande investigação, com provas suficientes para manter os criminosos na cadeia por um bom tempo.

A operação da PF hoje cumpriu, além da prisão de Mello, mandados de busca em várias cidades. As perseguições e manifestações de ódio na internet são uma ação organizada?
Sim. As pessoas acham que é coisa de moleque, de adolescente à toa, mas isso não é verdade. Veja a quantidade de comentaristas de portais de notícia. É enorme o volume de gente que aparece para atacar qualquer notícia que dê voz a uma feminista ou que seja sobre algo que eles são contra, como a Lei Maria da Penha ou o sistema de cotas. São grupos organizados, que reinam absolutos na internet e criam uma narrativa. No mundo real, pesquisas mostram que 100% conhecem a lei e mais de 80% a apoiam. O mesmo acontece com as cotas sociais: a maior parte é a favor. Mas, na internet, para cada opinião a favor, aparecem cem contrárias.

A lei que leva seu nome é motivo para comemoração?
Teremos motivos para comemorar quando esses criminosos forem presos, e a lei estiver sendo aplicada. Neste momento, o que quero é aprender sobre ela. Ainda há muita coisa a ser esclarecida. Como faz para denunciar? Onde vamos? No site da Polícia Federal? Em que casos? Precisamos de detalhes. Uma coisa é criar um projeto, outra é aplicar a lei. Estamos pensando em fazer alguns seminários sobre o tema, criar guias, falar com a PF para que ela se posicione.

A senhora também foi alvo de notícias falsas muito antes de o termo fake news se popularizar. Como podemos combater a disseminação de informações falsas?
Gosto do termo fake news, porque acho bom que exista um termo para essa prática. E sou a favor de agências de verificação de fatos, que foram muito ágeis no caso da Marielle, quando fake news passaram a circular com muita rapidez. As pessoas precisam se educar e parar de espalhar essas notícias. Ao espalhar o link, você vira cúmplice. É importante sempre desconfiar. E eu tenho meu blog, uma arma de defesa contra essas calúnias.

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