Brasil

Especialistas defendem ensino da cultura negra nas escolas e universidades

Medida é apontada como um dos caminhos fundamentais para diminuir a desigualdade racial em vários níveis da sociedade

Maria Irenilda Perreira/Estado de Minas
postado em 14/05/2018 10:32
Quantos professores negros você teve ou tem na escola? A mestre e doutora em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yone Maria Gonzaga, de 54 anos, não teve um sequer. Nem enquanto cursava os ensinos fundamental e médio, nem na graduação em letras. ;Só fui ter uma professora negra no mestrado;, conta. Em 1995, Yone estava entre as 30 mil pessoas que se reuniram na histórica Primeira Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasília, para denunciar o preconceito, o racismo e a ausência de políticas públicas para a população negra. O movimento abriu caminho para debates importantes que resultaram na criação das políticas afirmativas no Brasil. O sistema de cotas raciais foi implementado de forma gradativa nas universidades brasileiras a partir dos anos 2000.

Yone defende o sistema de cotas e ressalta a importância da representatividade negra, em especial, no meio acadêmico. ;Mais que um direito, as cotas é um processo de justiça. Precisamos ter representação em todas as áreas, sobretudo, no campo da educação;,pontua. Mesmo com as políticas afirmativas, a representação preta nas universidades ainda é muito baixa, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes a 2015. A pesquisa aponta que apenas 12,8% dos estudantes matriculados em instituições de ensino superior no Brasil, entre 18 e 24 anos de idade, são negros.

Se entrar na universidade já é difícil para a população negra no Brasil, a parcela que entra, encontra outros desafios dentro da academia. Na UFMG, Yone desenvolveu uma pesquisa sobre a gestão universitária com base nas relações raciais a partir da implementação de políticas afirmativa. ;A gente verifica na pesquisa que há deslocamentos do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista das disciplinas, do ponto de vista do currículo, mas ainda há muito a avançar;, comenta.

Outro olhar
A reprodução de conhecimento sob a ótica branca e a falta de pautas que contemplem a diversidade foram algumas das deficiências apontadas pela pesquisa da educadora.;A nossa matriz de conhecimento sempre foi eurocêntrica. Isso também é reproduzido na grade curricular da universidade. Então trazer nosso conhecimento africano e afro-brasileiro para dentro da academia é fundamental para se construir um outro olhar;, explica. A universidade, segundo ela, vive um processo de transição e tem buscado se adequar, o que demonstra o poder de transformação da representatividade. ;Em termos da matriz curricular, a universidade, desde 2013, vem implementando as disciplinas dos saberes tradicionais africanos, afro-brasileiros e indígenas. Conhecimentos até então eram invisibilizados nessa dinâmica racista;, pontua.

Ela defende que esse movimento de mudança ocorra também em instituições de todos os níveis de ensino. ;Nossas crianças, jovens e adultos precisam aprender que descendemos de reis e rainhas africanos e não de pessoas escravas como muitas vezes tendem a dizer. A história dos negros precisa ser contada a partir desse referencial de pessoas altivas, de pessoas com conhecimento;, ressalta.

Pertencimento
O ator e mestrando em educação pela UFMG Denilson Tourinho também conduz pesquisas com a temática do povo negro. Segundo ele, é muito importante o reconhecimento das culturas e arte negras como princípios educativos. ;Meu foco é nas relações étnico-raciais. É fundamental a gente conhecer dentro das nossas formas, até mesmo dentro do nosso próprio idioma, a forte presença africana. Na arte, as expressões, e corporeidade negra não é limitada exclusivamente ao samba e à capoeira;, argumenta.
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Ele destaca que o país vive um momento importante de reavaliação do pensar e da educação sobre a valorização dos saberes negros. ;Estamos passando por um processo de ;afrobetização;. De alfabetizar para as relações de negritude, de pertencimento, e até mesmo de empoderamento;, pontua. Denilson observa que a educação é também fundamental até para a pessoa se reconhecer e se aceitar como negra. ;Uma autodeclaração como negro perpassa até mesmo a aceitação do que a própria palavra representa. Até pouco tempo, essa palavra era carregada de sentido pejorativos até no dicionário;, comenta. No Censo de 2010, apenas 7,6% dos brasileiros se autodeclaram pretos para os pesquisadores do IBGE.

A crescente presença de pesquisadores negros dentro das universidades é comemorada pelo educador. ;A produção do conhecimento propiciado também pelo negro nos leva as outras possibilidades, a outros entendimentos de pertencimento e de valorização;.
Legislação
A Lei 10639 torna obrigatório, desde 2003 o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares. A lei é um avanço na luta antiracista no país e na transformação do nosso sistema educacional.

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