Otávio Augusto
postado em 22/05/2018 10:19
"Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos". A "previsão do tempo" publicada pelo Jornal do Brasil em 13 de dezembro de 1968, quando houve promulgação do Ato Institucional N; 5 (AI-5), foi uma sacada de Alberto Dines para driblar a censura numa das fases mais repressoras da ditadura militar. Nesta terça-feira (22/5), o jornalismo brasileiro perdeu uma dos seus nomes. Dines morreu aos 86 anos por insuficiência respiratória, em São Paulo, onde se tratava de uma forte pneumonia há 10 dias. O velório acontece nesta quarta-feira (23/5), em São Paulo. Nascido no Rio de Janeiro, Dines deixa viúva e quatro filhos.
O padrão dos jornais impressos conhecido pelo leitor brasileiro foi reinventado por Dines no começo da década de 1960. Como editor do Jornal do Brasil, revolucionou a cobertura cultural com o Caderno B. A tendência se espalhou e virou modelo nas redações de todo país. Dines lançou, em 1998, o programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil. A produção, que refletia o papel da imprensa e do jornalismo, ficou no ar até 2016.
Com mais de 65 anos de carreira, o jornalista passou pelos veículos de comunicação mais importantes do Brasil. Estreou no jornalismo em 1952 na revista A Cena Muda e participou da fundação da revista Visão em 1953. Em 1957, trabalhou na revista Manchete. Dois anos depois foi diretor do segundo caderno do Última Hora. Em 1962 virou editor-chefe do Jornal do Brasil, onde permaneceu até 1973.
Dines esteve no Correio Braziliense em novembro de 1968 e leu uma edição a cor ; sistema que ainda estava em implantação no jornal à época. Ele foi recebido pelo colunista do diário Ari Cunha e pelo então repórter Ronaldo Junqueira. Durante dois anos, entre 1959 e 1962, Dines dirigiu o jornal carioca Diário da Noite, do Diários Associados, grupo de comunicação que o Correio também faz parte.
Dines criou, ainda, dois institutos o Observatório da Imprensa e o Instituto para o Desenvolvimento para o jornalismo (Projor). Em 1994, fundou o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Entre os principais livros publicados por Dines estão Morte no Paraíso - A tragédia de Stefan Zweig, Diários Completos do Capitão Dreyfus, Por que não eu?, O papel do jornal e a profissão de jornalista e A imprensa em questão.
Para veteranos e focas ; como são chamados os jornalistas recém formados ; Dines deixou uma lição que não se fragmenta com o passar do tempo. "Jornalistas não podem se intimidar com o berro de um general, agressões de policiais ou de quem quer que seja, mesmo que vindo de um presidente dos Estados Unidos", dizia. A frase se completa. "Todo jornalismo é investigativo, ou não é jornalismo. Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não é jornalismo", dizia.
Duas qualidades disputavam o posto de mais característica de Dines: a coragem e a generosidade. Em mais um episódio de bravura, ele driblou a censura com uma primeira página do Jornal do Brasil sem manchete. Os militares proibiram a publicação de títulos sobre o golpe do general Augusto Pinochet que depôs o presidente chileno Salvador Allende, em setembro de 1973. Dines coordenou a edição de uma primeira página sem chamadas, mas com uma extensa reportagem contando o que aconteceu no Chile.
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Repercussão
O jornalista Gilberto Menezes Côrtes trabalhou com Dines no Jornal do Brasil em meados da década de 1970. Para ele, o maior ensinamento é responsabilidade com a apuração. ;Quando comecei no JB ele já era um lenda. Entrei em 1972. Me inscrevi no curso de jornalismo de aperfeiçoamento e trabalhei na economia. O jornalismo se modernizou muito na fase dele;, diz o profissional, que hoje é vice-presidente da publicação.
O presidente Michel Temer usou as redes sociais para lamentar a morte de Dines. "O jornalismo brasileiro perde um dos pilares da ética e do profissionalismo. Alberto Dines passou pelos mais importantes veículos do país e criou uma geração de jornalistas comprometidos com a correção da informação", escreveu.
Em nota, ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, destacou o legado do jornalista. "Prócer da liberdade de expressão no Brasil, inclusive durante a longa noite do regime de exceção, Dines foi e seguirá sendo uma referência para todos que lutam pelas causas da democracia e de uma imprensa livre e de qualidade. Alberto Dines, cuja obra e exemplo de vida continuarão inspirando as atuais e futuras gerações na construção de um país mais próspero e justo, em que o jornalismo independente continuará sendo uma peça indispensável;, diz o texto.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ressaltou a resistência de Dines ao regime militar. ;Trajetória de Alberto Dines no Jornal do Brasil marcou história ao se rebelar ironicamente contra a Ditadura. Seu legado é a busca incessante pela ética e o bom jornalismo. Que a atual e novas gerações de jornalistas possam seguir seus passos;, escreveu a parlamentar em uma rede social. Os deputados Alessandro Molon (PSB) e Chico Alencar (PSOL) também homenagearam Dines.
O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), afirmou que Dines foi ;brilhante;. ;Dines também compartilhou seu talento em sala de aula, quando lecionou em escolas de jornalismo no Brasil e nos Estados Unidos. Meus sentimentos à sua família e aos seus colegas do Observatório da Imprensa, onde, com bastante propriedade, dedicava-se a analisar o trabalho dos veículos de comunicação;, disse, em nota.
Colegas de luto
Vários jornalistas contemporâneos e aprendizes de Dines usaram as redes sociais para lamentar a morte. Juca Kfouri era amigo de Dines e destacou as dificuldades do tratamento do colega. ;(Ele) vinha sofrendo muito já faz tempo e sua morte interrompe dias que não lhe faziam justiça. É curioso. O descanso dele, pelo qual torci, não consola agora.;
O jornalista Caio Túlio Costa defendeu o legado de Dines. ;Mestre de várias gerações de jornalistas, tb foi um grande amigo e colega de várias iniciativas. O país perde um de seus maiores jornalistas;, escreveu. ;Herói da imprensa brasileira;, definiu a repórter Barbara Gancia, ex-colunistas da Folha de São Paulo. ;Você nunca será esquecido;, emenda ela.