Gabriela Vinhal
postado em 23/05/2018 18:00
O governo federal já gastou, até abril deste ano, R$ 221,4 milhões em compras judicializadas para aquisição de 160 itens para a saúde pública, entre eles medicamentos, insumos e suplementos alimentares que não são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No ano passado, foram gastos R$ 1 bilhão para cumprir as mesmas demandas - R$ 300 milhões a menos que em 2015.
A compra desses itens não está prevista no orçamento do Ministério da Saúde, portanto, não há como fazer um planejamento. Ao Correio, a pasta afirmou que há a necessidade de remanejamento de recursos de outras áreas de atendimento. Em 2018, o MS destinou na Lei Orçamentária Anual R$ 19,4 bilhões para a compra de medicamentos. Em 2017, a cifra chegou a R$ 17,7 bilhões.
Entre os itens que não são disponibilizados pelo SUS estão os de tratamento e diagnóstico de doenças raras, como medicamentos de alto custo e aparelhos com tecnologia de ponta. No Brasil, estima-se que há ao menos 13 milhões de pessoas portadoras dessas doenças. No mundo, passa de 400 milhões. Com a falta de políticas públicas, esses pacientes precisam recorrer à Justiça para conseguirem dar continuidade ao tratamento.
Tramitaram no Judiciário, em 2016, mais de 1,3 milhões de processos envolvendo a saúde pública. Já em 2015, foram 854.506 processos. Apesar de novos assuntos terem entrado na relação de ações em 2016, o crescimento ainda é significativo. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as demandas por medicamentos que não são disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram um aumento de 1.300% em sete anos.
Entre as medidas implementadas pelo governo para o caso das doenças raras no Brasil, está a portaria 199/2015. Dois anos após ter sido publicado, o texto previa a criação de protocolos e novas diretrizes para conseguir reunir o máximo de enfermidades possíveis. Em três anos, só foram construídos centros de referência em algumas partes do país - dois no sul, dois no Sudeste, dois no Centro-oeste é um em Pernambuco, no Nordeste. O Norte, todavia, ainda não recebeu uma unidade.
Falta de centros de referência
A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, afirmou que a criação da portaria foi um avanço para o setor, no entanto, ressalta que alguns pontos não saíram do papel. "Desde 2014 que não houve a criação de todos os protocolos e diretrizes terapêuticas para tratar desses pacientes prometidas na portaria", criticou.
O Ministério da Saúde, por sua vez, disse que o SUS possui 36 protocolos clínicos e de diretrizes terapêuticas com informações sobre diagnóstico, tratamento e reabilitação dos pacientes. A pasta alegou ainda que trabalha na elaboração de nove novos protocolos para melhorar a assistência ofertada no SUS. "O atendimento de pacientes com doenças raras é um desafio para qualquer sistema de saúde devido à complexidade ; muitas delas não possuem tratamento ou informações científicas ; e à necessidade de profissionais capacitados", complementou.
Esquecidos pelo governo
Na tarde desta terça-feira (22/5), membros do Legislativo, do Executivo e da sociedade civil se reuniram no Senado Federal para o Fórum de Políticas de Saúde no Brasil. O objetivo era discutir políticas públicas para aprimorar o tratamento de pacientes de casos raros em unidades especializadas da saúde pública no país.
Clara Mogowski, fundadora da Associação Carioca de Distrofia Muscular (ACADIM), declarou que é muito desgastante o portador de doença rara ter que recorrer ao Judiciário para conseguir o tratamento de que necessita e depois não ter certeza de que vá consegui-lo. "Esperar a resposta da Justiça é uma válvula para criar expectativa. Se não for correspondida, a pessoa ainda fica frustrada. Só estamos pedindo por medicamentos acessíveis e tecnologia ao alcance para melhorar nossa qualidade de vida".
Clara é portadora da distrofia muscular desde os seis anos. Há quase 50 anos, ela recebeu o diagnostico, depois de diversas consultas em unidades públicas. A expectativa de vida da professora aposentada era de, no máximo, 10 anos. No entanto, completou 54. O tipo de distrofia que ela tem é genético e não pode ser tratado com medicação. No entanto, a carioca luta para que remédios e novas tecnologias estejam ao alcance de quem sofre da doença. "O tratamento vai além de fisioterapia, porque a enfermidade ataca músculos externos e internos do corpo humano. Nosso sentimento é de esquecimento. Parece que somos esquecidos pelo governo, mas o curioso é que pagamos nossos impostos", finalizou.