Ingrid Soares
postado em 23/05/2018 22:15
Amarrados a camas com tiras de pano, tratados com medicação indiscriminada, em quartos lotados sem privacidade e isolados do convívio da sociedade. Esse foi o cenário relatado por pesquisadores da Human Rights Watch em um levantamento realizado em 19 instituições de acolhimento de crianças e adultos com deficiência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Distrito Federal.
A pesquisa, intitulada "Eles ficam até morrer", realizada durante um ano e dois meses, foi divulgada nesta quarta-feira (23/5). O título do relatório ilustra a realidade da maioria dos pacientes internados em abrigos, submetidos a condições degradantes no país. Segundo o Human Rights Watch, a maioria dos portadores de deficiência vivem com atividades limitadas pelas instituições, e são sendo pouco estimulados. Ao meio-dia, muitos ficam confinados em camas, em quartos escuros, sem nada para fazer por longos períodos ou ainda o dia inteiro.
Segundo pesquisadores, em oito das instituições visitadas, em alguns casos, funcionários prendiam os adultos à cama com pedaços de pano amarrados na cintura ou nos pulsos. Em outras, amarravam meias ou panos nas mãos de crianças para evitar que colocassem as mãos na boca, ou se coçassem. Alguns funcionários reconheceram que davam medicamentos para pacientes como forma de castigo. A estes últimos, os remédios eram administrados sem consentimento.
A pasta encontrou, ainda, cerca de 30 pessoas vivendo em grandes alas ou quartos com camas colocadas lado a lado, sem cortinas ou qualquer tipo de separação. A Human Rights Watch relatou tratamento degradante em que a maioria dos adultos e crianças com deficiência, em alguns casos, eram forçados a compartilhar roupas e até mesmo escovas de dentes com outras pessoas da instituição. Poucas crianças visitadas frequentavam escolas.
Uma funcionária de uma das instituições relatou que as crianças são privadas do contato pessoal. "Não podemos dar isso a elas. Precisam ser abraçadas, mas não temos tempo para abraçá-las. Os cuidadores estão preocupados apenas em dar comida e colocá-las para dormir. Não há afeto, não há brincadeira. A vida não é apenas comer e dormir", disse durante a entrevista.
Durante as visitas, percebeu-se ainda que as mulheres não tinham acesso a absorventes durante o período menstrual, pois são substituídos por fraldas.
Ainda segundo o Human Rights Watch, em Brasília, um adulto de 28 anos permaneceu em uma instituição, originalmente criada para crianças, após completar os 18 anos. Em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, encontraram um homem de 70 anos que morava no abrigo desde os 10 anos. Uma outra instituição também no Rio tem nove crianças de 12 a 18 anos, além de 43 residentes adultos que nela cresceram. A maioria das pessoas que viviam na instituição chegaram ainda crianças.
Ainda segundo o Human Rights Watch, em Brasília, um adulto de 28 anos permaneceu em uma instituição, originalmente criada para crianças, após completar os 18 anos. Em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, encontraram um homem de 70 anos que morava no abrigo desde os 10 anos. Uma outra instituição também no Rio tem nove crianças de 12 a 18 anos, além de 43 residentes adultos que nela cresceram. A maioria das pessoas que viviam na instituição chegaram ainda crianças.
Para Carlos Ríos-Espinosa, pesquisador da Human Rights Watch, o desenvolvimento físico, intelectual e emocional de crianças pode ser prejudicado pela ausência de apoio individualizado e pessoal por parte de um cuidador. A maioria possui pais vivos. ;Muitas vezes as crianças com deficiência acabam em instituições no Brasil porque suas famílias enfrentam uma batalha para cuidar delas sem os recursos e os serviços necessários na comunidade. Todas as crianças têm o direito de crescer em família e os recursos do governo devem ser empregados para apoiar as famílias e suas crianças, e não separá-las;, ressalta.
Um dos recursos oferecidos para portadores de deficiências é o BPC, um benefício garantido por lei no Brasil, equivalente a R$ 954,00. No entanto, nem todos os portadores de deficiência se encaixam nos requisitos e não recebem o auxílio. Em outros casos, quando não há capacidade legal, quem recebe o auxílio é a direção da instituição mantenedora do paciente.
Carolina* (nome fictício), 50 anos, foi uma das entrevistadas pela pesquisa. Ela tem deficiência física e descreveu a experiência na instituição: ;Este lugar é muito ruim, é como uma prisão. Eu não quero ficar aqui. Eu sou obrigada a ficar aqui. Meus filhos não querem me ajudar em casa. Embora dois dos meus filhos venham me visitar a cada duas semanas, eu nunca saio. Eu gostaria de sair, ir embora daqui. É o meu sonho. Quando você fica assim [com uma deficiência], acabou;.
O Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Marco Pellegrini, comentou o relatório e avaliou a situação como grave. ;O relato de contenções físicas e a administração compulsiva de medicamentos dizem respeito a tratamentos e procedimentos médicos equivocados aplicados a esta população específica, o que é muito grave. Pessoas com deficiência em condição de internação já é por si só uma situação ruim e inadequada, em condições precárias e sofrendo privações é uma violação de direitos que a legislação proíbe;.
Pellegrini afirma ainda que o Ministério dos Direitos Humanos trabalha para colocar na prática a Lei Brasileira de Inclusão - LBI. ;O estabelecimento de uma Política de Cuidados a Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência associada a sofisticação da Política de Residências Inclusivas é que vai trazer sustentabilidade a essa necessária rede de proteção trazendo dignidade a todos. Trabalhamos diariamente perseguindo essa meta;, finalizou.
No final do relatório elaborado pela Human Rights Watch, a pasta faz uma série de recomendações ao governo brasileiro para estabelecer um grupo de trabalho intergovernamental e intersetorial para tratar das ações e políticas de curto e longo prazo e outras mudanças necessárias para garantir os direitos das crianças e adultos com deficiência no país.