Guilherme Paranaiba/Estado de Minas
postado em 05/06/2018 08:06
Depois de 10 dias de tensão com a paralisação dos caminhoneiros, bloqueios e protestos que chegaram a impor restrições em mais de 60 pontos rodoviários de Minas Gerais, a semana que deveria ser de retomada da normalidade começou com uma onda de atentados incendiários a ônibus, carros e ataques a prédios públicos e bancos em cidades de diversas regiões de Minas, com concentração em municípios próximos à divisa com São Paulo (veja o mapa abaixo). Em menos de 24 horas, criminosos atacaram 21 cidades, .
Em um dos casos, em Itajubá, no Sul de Minas, um bilhete relatando repressão contra detentos do presídio da cidade e na penitenciária de Alcaçuz (RN) foi deixado dentro do ônibus depredado, em nome de uma facção criminosa com atuação nacional. À noite, mais dois coletivos foram alvos de incêndios criminosos na cidade. Não houve informação de feridos. Uma viatura do sistema prisional, estacionada em uma oficina, também foi queimada. Para evitar outros ataques, equipes da PM escoltaram ônibus que saíam das faculdades. Até a noite de ontem, em meio ao clima de tensão gerado pela ofensiva, faltavam explicações concretas sobre a motivação ou possível coordenação dos crimes.
Tanto a PM quanto a Polícia Civil admitem a possibilidade de ataques orquestrados por facção criminosa, mas os militares também apontam que podem haver casos de pessoas que se aproveitaram do momento de tensão para praticar violência, ação definida como ;espelhamento;. A corporação destaca que 30 pessoas, entre elas um menor, foram conduzidas acusadas de envolvimento nos ataques, sendo que pelo menos oito tiveram as prisões em flagrante confirmadas por participação nos crimes. O número de ônibus atacados chegou a pelo menos 32.
No fim da tarde, o governo do estado divulgou nota informando que as forças de segurança estaduais, com reforço da Polícia Federal, estão mobilizadas para investigar a sucessão de crimes, mas argumentou a necessidade de sigilo para não prejudicar as apurações. Entre os órgão envolvidos para conter a onda de violência, o Estado de Minas apurou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) já integra uma força-tarefa designada para cuidar dos casos.
As ações de criminosos que espalharam terror por diversas cidades seguiram um padrão: motoristas e cobradores de ônibus foram abordados e receberam ordem de saída do coletivo, assim como os passageiros, quando havia. Em seguida, os bandidos jogaram líquidos inflamáveis e atearam fogo aos veículos, sendo que em alguns casos os danos foram menores.
Os ataques se concentraram no Sul de Minas, mas também passaram pelo Triângulo Mineiro, onde tudo começou na tarde de domingo nas duas maiores cidades ; Uberlândia e Uberaba ;, e chegaram até a Grande BH, com dois ataques na capital e um em Santa Luzia. Como reação, empresas de ônibus de pelo menos duas cidades retiraram coletivos de circulação. Em Uberaba foram duas companhias. Em Pouso Alegre houve uma, que informou que seus carros só voltariam a circular sob escolta policial.
No Triângulo Mineiro houve também danos registrados a agências bancárias, justamente em um período de início de mês em que normalmente os caixas eletrônicos ficam mais abastecidos. Além da onda de ataques com caráter de depredação, um tesoureiro de uma agência de Papagaios, na Região Central de Minas, foi feito refém com a família e ficou sob a mira de bandidos. A onda de ataques coincide também com as proximidades da data de pagamento de salários, época em que episódios de assaltos a instituições bancárias se espalham pelo estado.
Entre o medo e as versões
Logo que a sucessão de ações incendiárias começou em cidades mineiras, ainda na tarde de domingo em Uberaba e Uberlândia, mensagens de áudio se espalharam como rastilho de pólvora por celulares, via aplicativos de mensagens, com ameaças que supostamente partiam de detentos, ordenando ofensivas com depredação generalizada. As mensagens destacavam a necessidade de poupar vidas, mas pregavam ataque geral contra ônibus, carros e prédio públicos, entre outros. A situação de tensão disseminada nos aplicativos e em redes sociais fez com que o comandante do 4; Batalhão da PM, de Uberaba, tenente-coronel Ronan Muniz dos Santos, saísse às ruas em patrulhamento e gravasse um vídeo para afastar boatos de que a cidade estivesse sitiada por criminosos. Quatro coletivos foram atacados no município, três deles ainda no domingo.
Em Itajubá, no Sul de Minas, criminosos tentaram queimar um ônibus da empresa Valônia, que fazia a linha Santa Rosa/Novo Horizonte, mas as chamas não se alastraram. Segundo a PM, quatro homens, sendo três encapuzados, usaram armas para bater no vidro dianteiro do coletivo e obrigar o motorista a parar. Como o fogo não começou depois que os criminosos jogaram o líquido inflamável, eles atiraram contra o veículo e quebraram seus vidros. Nesse caso, a PM relata que foi deixada uma carta para o motorista, com ameaças de uma facção criminosa com atuação nacional. No bilhete, os criminosos reclamam de opressão no presídio da cidade e também na penitenciária federal de Alcaçuz, em Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte.
A PM prendeu um homem após receber denúncias da participação dele no episódio, mas o detido não deu informação sobre a ocorrência. ;Temos informações de ataques também no Rio Grande do Norte e em São Paulo. Ou seja, não foi uma ação direcionada a Minas Gerais;, afirmou o major Flávio Santiago, porta-voz da Polícia Militar. O oficial também aponta a possibilidade de que os ataques tenham motivado outras pessoas a praticar atos de depredação, como em Alfenas, onde um homem sem relação nenhuma com outros crimes teria atirado um coquetel molotov contra uma viatura da PM.
Prisões vulneráveis
O presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), Fábio Piló, defende investigação rigorosa dos fatos. ;A Polícia Civil e a Polícia Federal precisam apurar, até porque os episódios estão relacionados a mais de um estado, para realmente descobrir se há ordens vindas de uma facção criminosa;, afirma Piló. O advogado também afirma que o sistema penitenciário está apresentando condições cada vez mais precárias, o que pode motivar ataques externos.
O delegado Carlos Capistrano, superintendente de Investigação e Polícia Judiciária da Polícia Civil, diz que as primeiras informações indicam a coordenação dos ataques por facção criminosa, mas afirma que é prematuro falar sobre outras informações. ;Já estamos com todas as agências de inteligência interligadas, no sentido de identificar o mando dessas ações, os autores e responsabilizá-los criminalmente;, afirma. De acordo com o delegado, apesar de os atentados terem se concentrado na porção Centro-Sul de Minas, as atenções estão voltadas para todo o estado, com monitoramento da Superintendência de Informação e Inteligência da Polícia Civil, para evitar ataques-surpresa no Norte.
A PM também informou que intensificou as ações de inteligência para transformar as 30 conduções pelos crimes no máximo de informações possíveis que levem a novas prisões e também contribuam para evitar outros ataques. Segundo o major Flávio Santiago, foi disponibilizado aumento no efetivo dos lugares atacados, para tentar capturar a maior quantidade possível de pessoas envolvidas. Em nota, a Polícia Federal confirmou que participa das apurações, mas acrescentou que não comenta ações em curso.
O Estado de Minas fez contato com o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e com a Agência Brasileira de Inteligência, questionando a participação dessas instâncias nas investigações sobre os ataques em Minas, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.