Brasil

Número de mulheres presas cresce 656%; Brasil é o 4º país que mais prende

Segundo o levantamento do Infopen, 62% são negras, 74% mães e 45%, apesar de privadas de liberdade, ainda estão sem julgamento

Gabriela Vinhal
postado em 11/06/2018 06:00
Detentas com filhos só têm direito a ficar com a criança até os 2 anos. Depois, devem entregá-las a familiares

Negras, jovens, mães, solteiras e milhares. Atrás das celas do sistema penitenciário brasileiro estão 42.355 mulheres ; 656% a mais em relação ao total registrado no início dos anos 2000, de aproximadamente 6 mil. Quarto país que mais prende no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia, o Brasil tem penitenciárias superlotadas, onde 45% da população carcerária sequer foi julgada. A falta de políticas públicas ameaça o sistema em que as mulheres continuam longe de casa sem prover o sustento e a educação dos filhos. Entre os crimes cometidos, o mais comum ainda é de um mercado ilegal paralelo: o tráfico de drogas.

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias reunidos até junho de 2016, em relação à taxa de aprisionamento de mulheres por 100 mil habitantes, o país deixa de ser o quarto e passa para o terceiro lugar ; atrás apenas dos Estados Unidos e da Tailândia, com 40,6. O índice de ocupação, por sua vez, reflete um sistema sem estrutura para manter prisioneiras, com 156,7%. Do total de mulheres presas, ao menos 45% delas aguardam para serem julgadas ; um descontrole estrutural por parte do Estado e do Judiciário. Nas carcerárias masculinas, até o mesmo período, havia 726.712 presos ; com 97,4% de superlotação, quase dois presos por vaga.

O levantamento mostra que há crescimento constante na tipificação de crimes, sobretudo tráfico de drogas, que corresponde a 62% das incidências penais. Ou seja, três em cada cinco mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por ligação ao tráfico. Entre as tipificações relacionadas, a associação para o tráfico corresponde a 16%, e o tráfico internacional de drogas responde por 2%.

Débora Diniz, socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), explica que, com os dados, não é possível saber se há mais criminalidade, se o país só está prendendo mais mulheres ou se elas estão entrando mais para o crime. ;O fato pode ser associado à falta de políticas sociais, porque o tráfico de drogas funciona como a base de uma renda familiar e não de criminalidade em si. Não dá para excluir também a crise financeira e o alto número de desemprego, mas o tráfico se tornou um mercado paralelo de sobrevivência;, complementa.

Para Mara Fregapani, coordenadora geral de Promoção de Cidadania da Diretoria de Políticas Penitenciárias, a quantidade de tempo de pena ; de no máximo oito anos ; reflete a participação ínfima dessas mulheres no tráfico. ;Elas devem ser pequenas traficantes de subsistência ; ou apenas mulas de chefes do tráfico;, afirma. Mara ressalta ainda o problema de o sistema manter tantas mulheres presas há anos sem condenação. Para a especialista, atrasa, inclusive, a ressocialização.

;Metade delas tem até 29 anos. Qual futuro pode ser esperado para elas?;, questiona. Estima-se que, no país, as chances de mulheres jovens serem presas é 2,8 vezes maior do que a de mulheres de 30 anos ou mais. ;O governo não consegue saber quanto tempo terá para preparar a mulher que é presa provisória para a reinserção na sociedade. Quanto mais pessoas entrando nos presídios e menos delas saindo, há dificuldade em oferecer um serviço de qualidade com celas capacitadas, servidores, alimentação e recursos. O serviço fica precarizado;, lamenta.

Do total da população prisional feminina, ao menos 62% delas são de mulheres negras. Proporcionalmente, há 25.581 mulheres negras presas para 15.051 mulheres brancas. Entre o total de detentas, 62% são solteiras e precisam sustentar, sozinhas, a própria casa. Além das demandas financeiras, têm a responsabilidade de criar os filhos. Ao menos 74% da população carcerária feminina é mãe. Em relação aos homens, apenas 47% alegam serem pais.

Maternidade no cárcere

;Estou trabalhando na unidade. Tenho bom comportamento, respeito os servidores mesmo tendo minha filha na guarda do presídio. Estou no presídio feminino Consuelo Nasser e gostaria de pedir por uma redução da minha sentença, pois gostaria da oportunidade de voltar para a sociedade e poder cuidar dos meus filhos. Por favor, me ajuda. Me dê a oportunidade, pois todo mundo merece uma segunda chance. Desculpe pelos erros por não saber falar, mas foi de coração. Me perdoa, se possível;.

O relato é de uma detenta da unidade Consuelo Nasser, em Aparecida de Goiânia (GO). Ela é apenas mais uma entre as 31.340 mulheres presas que têm filho. Nos presídios, elas só podem estar com os filhos até que completem dois anos. Depois disso, a educação passa a ser terceirizada para familiares, vizinhos ou conhecidos. ;Toda a estrutura familiar depende dessas mulheres ; cuidar da casa, dos filhos, dos mais velhos. Cria-se mais um problema, que é as crianças nas ruas;, lamenta a socióloga Débora Diniz.

A carta da prisioneira foi lida por integrantes do projeto Cartas do Cárcere, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que analisou quase 9 mil correspondências de detentos de todo o país. Thula Pires, coordenadora geral da ação e professora do Departamento de Direito, da PUC-RJ, explica que os relatos revelaram diagnósticos políticos que devem contribuir para a análise do que representa o sistema de segurança pública do país. A maioria do conteúdo das correspondências, segundo a advogada, está relacionada ao não cumprimento de direitos dos presidiários e pedidos como o acima mencionado, de uma segunda chance.

A maternidade no ambiente carcerário é um dos eixos que compõem a análise sobre a relação entre a infraestrutura prisional e a capacidade de assegurar direitos básicos às mulheres presas. De acordo com o levantamento, apenas 55 unidades em todo o país declararam apresentar cela ou dormitório para gestantes. Em relação a espaços adequados para que a detenta permaneça em contato com o filho, inclusive ao longo do período de amamentação, apenas 14% contam com berçário e/ou centro de referência materno-infantil, podendo receber até 467 bebês. Em todo o país, só 3% dos presídios declararam contar com espaço de creche, somando uma capacidade total para receber até 72 crianças acima de 2 anos.

Em fevereiro deste ano, a 2; Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por quatro votos a um, o habeas corpus coletivo que transforma em prisão provisória a prisão domiciliar para mulheres grávidas, que tenham dado à luz recentemente, ou que sejam mães sob responsabilidade de crianças de até 12 anos de idade. O texto reúne também adolescentes que cumprem medida socioeducativa e a mães que sejam responsáveis pela guarda de filhos com deficiência, por tempo indeterminado. No entanto, não terão o benefício aquelas que tenham cometidos crimes com violência ou grave ameaça contra a família.

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