Brasil

BID propõe capacitação policial para frear excessos em operações no Brasil

Objetivo é facilitar identificação de crimes de racismo e intolerância religiosa

Otávio Augusto
postado em 26/06/2018 06:00

Treinamento quer levar a profissionais reflexão sobre o preconceito racial

O racismo é uma ferida aberta na sociedade brasileira desde o período colonial. O problema é tão grave que exige treinamento para agentes de segurança. De um lado, para identificar casos de racismo e intolerância religiosa. De outro, para evitar excessos na abordagem policial. Por iniciativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um curso de capacitação sobre o assunto será disponibilizado, no segundo semestre, pela internet, a profissionais da área.

Lideranças do movimento negro acreditam que o treinamento, que será dividido em seis módulos, reduzirá a ocorrência de situações extremas. O conteúdo está sendo elaborado pelo conselheiro do Centro de Articulação de População Marginalizada (Ceap), Ivanir dos Santos. "A ideia é organizar um minicurso para que os policiais discutam o tema e não reproduzam discursos e ações de ódio. A capacitação é importante também para a investigação de crimes. Muitas vezes, uma briga de vizinhos, por exemplo, tem um fundo racial ou de intolerância religiosa;, explica.

O curso é financiado pelo BID e a plataforma de estudos será a da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). O treinamento será opcional. ;Esse era um desejo de muitos anos da comunidade negra e religiosa. Nossa intenção é instrumentalizar os policiais desde a condução da PM, quando recebe a ocorrência, até quando chega à delegacia para identificar esse tipo de crime, e, além disso, evitar ações racistas e de intolerância religiosa por parte dos profissionais;, conclui Ivanir dos Santos.

Segundo o BID, o objetivo do curso é capacitar agentes de segurança pública em todo o território nacional sobre a temática da questão racial. "(O agente treinado) realizará um acolhimento às vítimas com mais qualidade e sensibilidade e encaminhar os casos de maneira mais adequada, permitindo uma melhor resolução pelo sistema judiciário", explica o órgão, em nota. Agora, o curso está na câmara técnica da Senasp para ser analisado por três especialistas de forma técnica. Depois, o conteúdo será disponibilizado. A capacitação terá 60 horas.


Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Elaene Rodrigues Alves afirma que o preconceito está enraizado na cultura brasileira. Para ela, a população negra e as pessoas que professam religiões de matriz africana foram historicamente desvalorizadas. ;Nossa sociedade requer várias políticas públicas neste sentido. Ela é muito preconceituosa. A polícia é resultado dessa sociedade;, pondera.

O coronel Carlos Fernando Ferreira, presidente da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro (Ame-RJ), acredita que a capacitação é mais uma forma de combater o preconceito no Brasil. ;O primeiro exemplo deve ser da polícia no combate ao racismo e à intolerância. É importante que tenhamos, no procedimento, o entendimento de que somos rigorosamente iguais. Não é o sexo, a religião ou cor da pele que coloca alguém como superior ou inferior;, defende.

O pesquisador Carlos Alberto Santos de Paulo participou, em 2015, da criação do grupo de trabalho que elaborou o procedimento operacional padrão da Polícia Militar do Distrito Federal para coibir abordagens racistas. Para ele, esse tipo de comportamento faz parte da ;herança cultural; do Brasil. ;Teremos muita dificuldade de enfrentá-lo se não refletirmos sobre o mal da escravidão no passado. Foi um equívoco histórico, e a gente não faz essa reflexão, não assume o erro;, acrescenta o professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

O grupo criou orientações como a de que um policial, ao se deparar com uma situação de injúria racial, deve prender o agressor em flagrante em vez de tentar reconciliar as partes. Além disso, os PMs precisam reunir o máximo de testemunhas e observar se há circuito de câmeras no local. De acordo com o protocolo, caso o delegado encarregado da ocorrência classifique o caso como um simples desentendimento, o militar e a vítima devem procurar o Ministério Público.

Há 20 anos, a Academia da Polícia Civil de São Paulo incluiu no curso de formação dos agentes aulas antirracismo. A disciplina recebeu o nome de ;relações raciais;, é obrigatória e começou a ser ministrada em agosto de 1998. Os 60 delegados mais jovens da polícia paulista aprenderam sobre preconceito racial e sobre a legislação específica contra os crimes de racismo. A ideia surgiu quando o então diretor da entidade, delegado Tabajara Novazzi, fez um curso sobre relações raciais na Universidade de São Paulo (USP).

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