Brasil

Especialistas querem censura para conteúdos racistas e homofóbicos na web

Grupo de pesquisadores defende que governo adote classificação indicativa on-line para diminuir a propagação de conteúdos com teor racista, misógino, homofóbico e que induzam ao consumo infantil exagerado. Legislação atual já modera jogos, mas não chega às redes

Otávio Augusto
postado em 11/07/2018 06:00
Uso indiscriminado da internet por jovens preocupa especialistas, pois dissemina discurso de ódio

A publicação de vídeos na internet com conteúdos inapropriados para crianças e adolescentes tem mobilizado grupos de pesquisadores que defendem a classificação indicativa (censura por idade) para este tipo de conteúdo. O Ministério da Justiça, responsável por essa regulação, pode adotar controle similar ao que já é exercido na tevê, no cinema e em jogos. O órgão já promoveu seminários sobre o tema, mas a legislação ainda não foi alterada. Atualmente, a portaria vigente é de 2014. Especialistas acreditam que esse é um dos meios para diminuir a disseminação de discursos de ódio, bullying, trollagens (brincadeira de mau gosto), incentivo ao consumo e à má alimentação.

A polêmica ganhou força após a popularização de vídeos com conteúdo racista, misógino, homofóbico e que induzem ao consumo infantil exagerado. Para se ter ideia do alcance dos influenciadores digitais, como são chamados os produtores de conteúdo audiovisual para a internet, os cinco mais populares reúnem 104 milhões de inscritos em suas contas no YouTube ; o equivalente à metade da população brasileira, de 207 milhões. Um único canal já conta com 2,5 bilhões de visualizações.

[SAIBAMAIS]Regina de Assis, doutora em Educação pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, participa do grupo de especialistas do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) e destaca a necessidade da classificação indicativa na internet. Segundo a especialista, que participou de debates sobre o tema no Ministério da Justiça, as narrativas induzem a sexualidade precoce, excesso de consumo, desrespeito com o próprio corpo e banalização da saúde. ;O importante é estabelecer padrões. A proibição não funciona, tem que haver uma argumentação. Também temos que avaliar o papel das famílias dessas crianças e adolescentes, que é fundamental, por intermediar o que se assiste e a conversa que precisa acontecer;, explicou.

Regina destaca que a principal dificuldade é estabelecer padrões de conteúdo que ;não sejam ofensivos, ameaçadores e que não atentem contra a segurança e desenvolvimento da criança;. ;A internet não tem limites de horário, de fronteiras e de público. Há uma cautela por parte do Ministério (da Justiça) em assumir essa responsabilidade. Mas, diante do cenário, cabe a ele dar uma resposta mais incisiva à sociedade brasileira. Circulam vídeos de aberrações, como menino tomando banho em banheira com chocolate;, concluiu.

O pesquisador Pedro Augusto, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, defende que algum tipo de regulamentação deve ser feita, mas que a discussão deve envolver as plataformas e produtores de conteúdo. ;As plataformas têm sistemas em que o pai, mãe ou responsável têm controle ao conteúdo que será veiculado para definir parâmetros. O que torna a discussão delicada é que os sistemas de controle tendem a ser feitos por mecanismos automatizados, o que prejudica conteúdos de qualidade;, explica.

Para Augusto, a responsabilidade da classificação deve ser feita pelas empresas. ;O que vemos hoje é que o critério fica por conta do produtor. As plataformas devem assumir esse ônus. Entendo que tem uma dificuldade técnica pela quantidade de conteúdo que é veiculado, mas é uma discussão urgente;, pondera.

Censura x classificação


A portaria em vigor destaca que se sujeitam à classificação indicativa pelo Ministério da Justiça obras audiovisuais destinadas à televisão e aos mercados de cinema e vídeo doméstico; jogos eletrônicos e aplicativos; e jogos de interpretação de personagens. Apesar de ter realizado debates e discussões, os mais recentes entre março e abril, o ministério destacou em nota que ;os conteúdos de internet, pelo menos neste momento, não estão na pauta para a ampliação do escopo dos produtos classificáveis;.

Para o professor do Departamento de Jornalismo da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Martins da Silva, é preciso entender a função da classificação indicativa. ;A censura é o exame prévio para vetar ou cortar partes. A classificação não proíbe nem antes nem depois, ela indica o público que deve consumir o conteúdo para evitar abusos, ofensas e crimes. Contudo, é uma orientação para a família. Essa é uma responsabilidade plural, apesar de haver uma legislação que protege a infância e a juventude;, conclui.

Restrição por idade


Com o fim da censura no Brasil, em 1988, o país adotou um sistema de classificação indicativa, que informa a qual faixa etária um produto cultural (filmes, programas de tevê, jogos etc.) é indicado. A única classificação restritiva é a de 18 anos: mesmo com aprovação dos pais, menores não são permitidos. Os próprios produtores costumam enviar uma autoavaliação baseada no guia publicado pelo Ministério da Justiça, mas isso não é necessário. Os critérios que podem elevar a classificação estão relacionados a cenas de sexo e nudez, violência e uso de drogas. São seis tipos de classificação: livre e não recomendado para menores de 10, 12, 14, 16 e 18 anos.

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