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ECA faz 28 anos merecendo aperfeiçoamento para críticos e defensores

Uns querem atualizar mantendo linha atual; outros pedem endurecimento

postado em 13/07/2018 19:40
Uns querem atualizar mantendo linha atual; outros pedem endurecimento
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 28 anos nesta sexta-feira (13/7). Em vigor desde julho de 1990, a Lei 8.069/1990 estabelece os direitos e deveres de garotos e garotas com menos de 18 anos, para os quais foram fixadas medidas especiais de proteção e assistência a serem executadas, conjuntamente, pela família, comunidade e Poder Público.

[SAIBAMAIS]Passadas quase três décadas, o ECA continua alvo de recorrentes críticas e polêmicas. De um lado, especialistas apontam que o estatuto ajudou o país a concretizar uma cultura de direitos relativos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, formação profissional, cultura e de respeito à dignidade, à liberdade e à convivência familiar e comunitária em favor dos jovens. Mas para crianças e adolescentes em conflito com a lei, resta um sistema socioeducativo superlotado e incapaz de proporcionar reabilitação adequada.

De outro, críticos afirmam que o sistema socioeducativo se tornou uma escola do crime e que o estatuto proporciona impunidade a jovens em conflito com a lei. Como remédio, reclamam o endurecimento da legislação, como a redução da maioridade penal e a ampliação do tempo de internação, que hoje é limitado a três anos. Os críticos pedem mais medidas de internação, enquanto os defensores do ECA entendem que o excesso dessas medidas altera do espírito do estatuto.


Implementação do ECA

De acerta forma, a necessidade de atualizar o ECA é reconhecido por críticos e defensores. ;Os tempos mudam, a sociedade muda e as legislações precisam sim, ser revistas de tempos em tempos. Mas estas mudanças devem levar em conta o aperfeiçoamento dos direitos já conquistados;, disse à Agência Brasil a professora e ativista pelos direitos das crianças e adolescentes Irandi Pereira.

A especialista é contra alteração no ECA neste momento por entender que o estatuto ainda não foi integralmente aplicado pelo Estado brasileiro. ;É uma inversão querer endurecer a legislação subtraindo direitos quando estes ainda não foram totalmente experimentados e não havendo dados que sustentem que isso seja eficaz;, acrescentou Irandi, ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e atualmente participante do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente de São Paulo.

Para o advogado Ariel de Castro, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Conselho de Direitos Humanos do Estado de São Paulo (Condepe), uma das razões para a falta de implementação integral do ECA é a limitação orçamentária do Estado. ;Boa parte do que prevê o ECA ainda não foi implementado em razão disso. A obrigação dos governos destinarem recursos, por exemplo, ainda não passa de uma ficção;, afirmou.

Uma das consequências do orçamento limitado é a falta de vagas no sistema. ;As unidades de internação, a exemplo do que acontece no sistema prisional, estão superlotadas e são alvo frequente de denúncias de maus-tratos e até mortes;, afirmou Castro, citando um estudo divulgado em 2016, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), segundo o qual, em 2013, 29 crianças e adolescentes eram assassinadas por dia, no Brasil. ;Os jovens são muito mais vítimas que autores de atos infracionais;, concluiu o advogado.

Entre os mecanismos não implementados ou feitos de forma deficiente está o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). ;Lógico que há muitos problemas. Como há também no cumprimento de outras políticas públicas. Por exemplo, temos problemas estruturais no Sinase, que foi instituído em 2012 e envolve a apuração de ato infracional e a execução de medidas socioeducativas por adolescentes e crianças. Basta ver a forma como os adolescentes estão na maioria das unidades do sistema para concluir que é quase como se estivessem no sistema prisional, junto com os adultos;, criticou o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marco Antonio Soares.

Para Soares, no entanto, as críticas são exageradas e as soluções propostas não resolvem o problema. ;Não concordamos com a ideia de que o sistema socioeducativo funcione como uma escola do crime e que aumentar o tempo de internação ou reduzir a menoridade penal vá resolver a questão da segurança pública;, afirmou.

Segundo ele, as estatísticas apontam que, entre os jovens de 12 a 17 anos aos quais foram aplicadas medidas socioeducativas, somente uma minoria cometeu crimes graves, contra a pessoa. ;Depois, porque nenhuma unidade da Federação teria recursos suficientes para atender às necessidades da aprovação de tais medidas, como a construção de mais unidades socioeducativas e contratação de pessoal;, concluiu o presidente do Conanda.

Necessidade de revisão

Já para o deputado federal Aliel Machado (Rede-PR), o ECA, apesar de bom ;na teoria;, precisa ser revisto. Relator da Comissão Especial sobre a Revisão das Medidas Educativas do ECA, da Câmara dos Deputados, Machado propõe uma série de mudanças no ECA em relatório apresentado em outubro de 2017.

A mais polêmica delas é a que endurece as medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei. Pela proposta, que ainda não foi votada pela comissão, a internação imposta a adolescentes a partir dos 14 anos que cometerem atos infracionais que resultarem na morte da vítima serão aumentadas gradualmente, conforme a idade, até o máximo de dez anos. Atualmente, o jovem só pode permanecer internado até três anos ; prazo máximo que o relator espera manter apenas para os jovens de 12 e 13 anos.

;Proponho medidas protetivas mais eficientes, como a que garante a presença de um advogado ou defensor público desde a primeira oitiva. Instituo regras de punição aos prefeitos e gestores que não observarem os direitos das crianças e adolescentes. E proponho que um percentual do Fundo Penitenciário seja destinado ao sistema socioeducativo;, acrescentou o deputado, reforçando que ;as crianças são muito mais vítimas do que praticantes de atos infracionais; .

O deputado disse ainda que o trabalho de ressocialização de adolescentes em conflito com a lei deve vir acompanhadas de ações mais amplas. ;A ressocialização de jovens e de adultos faz parte de uma questão mais abrangente, que envolve diferentes aspectos socioeconômicos. Se um adolescente cumprir medida socioeducativa e retornar ao mesmo contexto, voltaremos a lhe oferecer as mesmas alternativas. E, invariavelmente, a mais fácil, infelizmente, é a que o conduz a infringir a lei;.


Lei avançada

Para a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Berenice Giannella, o ECA é uma lei avançada, reconhecida internacionalmente, e que proporcionou muitos avanços no sentido da promoção dos direitos das crianças e adolescentes. A secretária, no entanto, reconhece que o país ainda tem muito a avançar, ;especialmente em relação à questão da violência;, segundo ressaltou.

;A criança e o adolescente brasileiro ainda são vítimas de várias formas de violência, quer seja a violência sexual, física, a negligência, o bullying e a violência letal, que é maior entre os adolescentes. Sobretudo entre os adolescentes pobres e negros;, reconheceu a secretária em entrevista à TV NBR. ;O grande desafio é que, como se trata de uma política transversal, que envolve várias áreas, é preciso que todos trabalhem juntos. Ministérios, governos estaduais, prefeituras, sociedade, todos tem que convergir;, acrescentou a secretária.

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos, ao qual a secretária nacional está vinculada, explicou que o ECA é fruto de uma construção coletiva e incorporou à legislação brasileira avanços previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, concretizando os direitos e garantias que já tinham sido determinados na Constituição Federal.

O ministério também lembrou que, ao longo de quase três décadas, diversos aprimoramentos foram incorporados à legislação brasileira, como a Lei da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância e a lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

;Todo o conjunto de leis que formam o Estatuto possibilitou as bases para a construção de políticas públicas efetivas voltadas a crianças e adolescentes, que contribuíram para diversos avanços;, sustenta o ministério, destacando os desafios para garantir a plena efetivação do ECA e evitar retrocessos: ;Após quase três décadas de vigência, o Brasil continua mobilizado para que o ECA se mantenha como uma legislação avançada e atualizada;.

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