Brasil

Família briga por corpo de brasileiro congelado desde 2012 nos EUA

Corpo de engenheiro que morreu em 2012 foi levado pela filha caçula para uma clínica de criogenia nos Estados Unidos. Duas meias-irmãs dela são contra a medida e pedem na Justiça o direito de sepultar o pai

Otávio Augusto
postado em 15/09/2018 07:00
Clínica de criogenia nos Estados Unidos: corpos são mantidos a -196°C na expectativa de um dia serem ressuscitados

A criogenia, técnica de congelamento de cadáveres em nitrogênio líquido, parece história de ficção científica. Mas, um caso pioneiro no Brasil lançará luz sobre o tema no país. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidirá se o corpo do engenheiro Luiz Felippe Dias de Andrade Monteiro, morto em 2012, aos 83 anos, continuará congelado nos Estados Unidos. Um desentendimento entre as filhas impediu o sepultamento.

O corpo de Luiz Felippe foi congelado a pedido da filha caçula, Lígia Cristina Mello Monteiro, que mora no Rio de Janeiro. Ela disse que atendeu ao desejo do pai. O cadáver dele está numa clínica de criogenia nos Estados Unidos, onde é mantido a -196;C.

Duas meias-irmãs de Ligia, Carmen Silvia Monteiro Trois e Denise Nazaré Bastos Monteiro, que moram no Rio Grande do Sul, só foram avisadas após o congelamento. Elas são contra a medida e recorreram à Justiça. Em agosto de 2014, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o corpo do engenheiro deveria ser enterrado. A decisão, contundo, acabou suspensa. Como Luiz Felippe não deixou testamento e não existe legislação no Brasil sobre o uso da criogenia, o relator dos embargos infringentes (recursos em processos), Ricardo Couto de Castro, concluiu que o enterro só poderia ocorrer após o trânsito em julgado da ação.

Durante o processo, ao menos 10 recursos foram apresentados por ambas as partes. O STJ julgará um deles, sustentado por Lígia. Ela não concorda com a decisão da Justiça fluminense. ;Quem sabe do desejo do Luiz Felippe é a filha que morava com ele, não as filhas que não o viam havia anos;, afirma a advogada Soraya Barros, que defende Ligia.

O caso está na Terceira Turma do STJ. O ministro Marco Bellizze é o relator. ;Não há data definida para julgamento;, informou a Corte, em nota. Não há documentos que comprovam o pedido de Luiz Felippe para o congelamento. Entretanto, Ligia apresentou 29 declarações de empregados próximos, enfermeiros, amigos e colegas de profissão do engenheiro. Eles confirmaram que o desejo era ser congelado nos Estados Unidos.

Carmen e Denise não abrem mão de o pai ser sepultado. ;As irmãs mais velhas continuam convictas de que a melhor alternativa é enterrar o pai convencionalmente. Não há vontade expressa de que ele gostaria de ser congelado, não tem declaração de vontade. Elas foram surpreendidas com a informação;, explica o advogado Rodrigo Crespo, que representa as meias-irmãs.

O processo pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). ;Vamos recorrer, se for necessário. Não existe um entendimento formal sobre esse tipo de caso. Nunca houve um precedente, e a legislação brasileira não trata de criogenia;, frisa Rodrigo Crespo.


O que é criogenia

A técnica mantém cadáveres congelados com a expectativa de ressuscitá-los um dia. Os médicos colocam o corpo num tanque de nitrogênio líquido, a uma temperatura em que não pode ocorrer apodrecimento. O sangue do cadáver é retirado ao mesmo tempo que, por outro tubo, é inserido o líquido crioprotetor, uma substância química à base de glicerina. O líquido substitui outros compostos intracelulares, evitando que cristais de gelo se formem dentro das células. A substância criopreservante dentro do organismo vivo seria tóxico e ainda não se sabe como substituí-lo. Estudam-se tecnologias para poder eliminar essas proteínas tóxicas. Mesmo descongelando o corpo, seria preciso reverter o processo que causou a morte, como uma doença em estágio avançado.

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