Brasil

Poucas perspectivas profissionais levam jovens a desencanto com a política

O número de eleitores entre 16 e 18 anos, que só votam se quiserem, caiu 14,53% em relação a 2014. Para este pleito, 238.134 pessoas nessa faixa etária deixaram o grupo que escolhe representantes. Falta de interesse também é vista em outros países

Otávio Augusto
postado em 13/10/2018 07:00
A universitária Jéssica Oliveira conta que vários de seus amigos não concluíram o ensino médio tampouco conseguem emprego

Medo. Desesperança. Falta de perspectiva. Os três termos são os que mais aparecem no discurso dos jovens com idade entre 15 e 29 anos quando são indagados a avaliar a atual situação do Brasil. O pessimismo é ancorado em dificuldades para crescimento social e profissional e pela exposição à violência. Ao todo, 1.400.617 de eleitores jovens vão às urnas, mas grande parte está desencantada com a política.

A juventude brasileira é caracterizada por heterogeneidade e desigualdade, segundo especialistas. Esse é um dos fatores que devem ser levados em consideração ao se desenvolver políticas públicas para eles, segundo especialistas (leia quadro ao lado). Cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que há 48,5 milhões de pessoas no país com idade entre 15 e 29 anos.

;A grande preocupação é com o que vai acontecer, como as coisas vão ficar;, explica Jéssica Oliveira, 23 anos. Ela mora em Taguatinga e conta que muitos amigos não trabalham nem conseguiram terminar o ensino médio. ;O pessimismo começa quando a pessoa tem de abandonar a escola para partir rumo ao subemprego. O jovem não é prioridade;, conclui a estudante de engenharia da comunicação da Universidade de Brasília (UnB).

Negro e morador da periferia, Jhonata Rodrigues, 24 anos, voltará às urnas no segundo turno, mas está cético. ;Não está bom para ninguém. Todos estão sofrendo com a realidade que temos. Não há perspectivas. A desesperança é uma verdade muito dura;, reclama o estudante de ciências sociais da UnB, que vive no Gama.

Essa é a primeira eleição em que a estudante de pedagogia Júlia Godoi votou. A jovem de 16 anos está preocupada com a polarização da disputa. ;O jovem não sabe para onde ir. São muitos problemas e poucas pessoas com a possibilidade de resolvê-los. A realidade do jovem muda a depender de onde ele está e qual o contexto em que está inserido, mas em todos os cenários há grandes problemas;, pondera a moradora de Águas Claras.

Júlia e o namorado, Estevão de Paula, 19 anos, estudam na UnB. Ele acredita que a parcela mais jovem é responsável por mudanças sociais. ;Estamos na transição, mas não temos ferramentas para isso. A falta de perspectiva de melhora afeta gravemente a nossa geração e, talvez ,esse seja o combustível para esse momento descrente que estamos atravessando;, conclui.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de eleitores entre 16 e 18 anos, cuja participação é opcional, caiu 14,53% em relação a 2014 quando eram 1.638.751. Para este pleito, 238.134 jovens eleitores deixaram o grupo que escolherá os representantes políticos.

O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), destaca que o desencanto é um fenômeno mundial. ;Num paralelo entre o movimento estudantil de 1968, havia um projeto de futuro. Hoje, a juventude está pragmática, menos culta e querendo sobreviver dentro da ordem. Há uma crise cultural e econômica de intensa profundidade, das relações estruturais da sociedade. O velho ainda não morreu, e o novo não emergiu. Isso leva a desagregação e ao embrutecimento;, explica.

Rudá Ricci, cientista político da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca que essa tendência entre os jovens se avolumou a partir de 2010. ;Naquela época, as pesquisas já revelavam essa guinada. A desesperança maior vem desde 2013. Todo aquele ato não deu em nada. A política se apresenta como uma frustração imensa para essa população. Na avaliação deles, de alguma maneira, a política não se renova. Por isso, muitos não querem votar;, pondera.

Francisco de Assis Costa Filho, secretário nacional de Juventude da Presidência da República, defende que é importante conscientizar os jovens de que o voto é um importante instrumento de mudança coletiva. ;A distância dos processos que envolvem a coisa pública e a falta de engajamento no exercício da cidadania, na prática, não ajudam em nada para que as transformações aconteçam;, avalia.


Panorama

1.400.617

Total de eleitores jovens que vão às urnas, segundo TSE

52%

Percentual, segundo o Banco Mundial, dos jovens que perde interesse pelos estudos

48,5 milhões

Número de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, segundo o IBGE

11,1 milhões

Total de jovens que não trabalham nem estudam

61%

Percentual desta população que vive em situação precária, de acordo com o Unicef

33.590

Número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos no Brasil entre 2006 e 2016, segundo o Atlas da Violência

23%

Aumento no número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos no Brasil cresceu entre 2006 e 2016

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