Brasil

Dia do Professor: Salário baixo é o grande desafio

Média salarial da categoria é de 4,8 salários mínimos. Especialistas alertam para a importância de estimular a capacitação profissional

Ingrid Soares, Camilla Venosa - Especial para o Correio
postado em 15/10/2018 06:01
Silvio Augusto Miranda: A sociedade acha importante, mas não tem uma valorização de mercado
A carreira do magistério é conhecida por passar dificuldades em diversos âmbitos, como mostra levantamento do Ibope, encomendado pela Organização Todos Pela Educação. Os dados destacam a baixa média salarial da categoria, que gira em torno de 4,8 salários mínimos, e a pouca qualificação, apenas 9% deles têm mestrado. Além disso, apontam que 56% dos professores trabalham em escolas públicas municipais e 67% lecionam no interior dos estados. Para Caroline Tavares, gerente do projeto Profissão Professor do Todos Pela Educação, o foco para uma solução eficaz deve estar na capacitação dos profissionais. ;Precisamos de professores bem capacitados, com uma boa prática docente. Sem isso, não tem educação de qualidade. É necessário um conjunto de iniciativas estruturantes da carreira;, explica.

A amostra faz um panorama da situação atual da profissão, mas os próprios professores também destacam outros desafios do dia a dia. Denise Montandon, professora do ensino fundamental da rede pública, conta que os desafios são mais profundos do que se imagina. ;Essa questão vem de uma esfera mais ampla, como a falta de direcionamento, não saber onde se quer chegar com a criança, dificuldade no currículo a ser passado. Muitas vezes, direcionamos o aluno para passar em provas de concurso e vestibular, o que não é exatamente uma formação e, sim, só passar informações;, explica. Montandon também alega que a falta de recursos, apesar do que muitos dizem, não é o principal dos problemas. ;Às vezes, um país não tem tanto recurso, mas tem boa educação porque tem valores, sabe onde quer chegar, tem um projeto claro e sabe atender aos princípios da nação;, afirma.

Para Sílvio Augusto Miranda, que atua há 11 anos no mercado de trabalho, a pluralidade dos jovens é uma das principais questões dentro da sala de aula. ;Um dos maiores desafios é tentar agregar todos os alunos para um mesmo objetivo. Os jovens são mais plurais e têm objetivos mais individuais. Você precisa tentar fazer com que o grupo trabalhe junto;, diz. Por conhecer profissões diferentes, o educador aponta uma valorização ambígua da carreira. ;Ao mesmo tempo que é valorizada, é desvalorizada. É difícil chegar a uma conclusão. Quando você fala que vai ser professor, todo mundo enaltece que é uma profissão importante, mas, quando alunos decidem ser professores, nem sempre os pais acham que é o melhor caminho. Então, a sociedade acha importante, mas não tem uma valorização de mercado;, protesta Miranda.
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A pedagoga Cristiane Foly de Freitas, que leciona matemática e filosofia para crianças do 5; ano, lembra da necessidade dos professores em continuar estudando e acompanhando a realidade dos estudantes. ;Hoje, a criança chega sabendo até mais do que você em determinados assuntos por causa da tecnologia. Então, você precisa estar muito mais atualizado e flexível no seu planejamento para acompanhar o desenvolvimento deles;, explica.

Além dos pontos levantados pelos professores, a pesquisa elaborada pelo Ibope aponta má remuneração, rotina desgastante, falta de infraestrutura e recursos, e desvalorização da carreira como os pontos de maior reclamação da categoria. Para Tavares, não existe uma única solução, é preciso uma ação conjuntural. ;A primeira coisa é criar um marco referencial docente, ou seja, definir o que é um bom ensino e, a partir disso, quais as competências que os professores precisam ter. Depois disso, é fazer uma progressão de carreira que se desenvolva a partir desse referencial, para que os melhores professores não saiam das salas de aula;, esclarece. Porém, a gerente expõe que essas melhorias precisam atingir outros âmbitos da profissão. ;A atratividade da carreira diminuiu no mundo inteiro, principalmente em países sem políticas docentes estruturadas. Por isso, é preciso atrair alunos que têm um melhor rendimento no ensino médio para a carreira. E para isso temos de ter melhores condições de trabalho;, comenta.

Tecnologia


Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, lembra que a educação é um direito de todos e, por isso, uma responsabilidade da sociedade. ;O que as pessoas, os gestores e os políticos precisam entender é que educação é um direito de todos, e ela precisa ser ofertada a todos com qualidade. Se o aluno está na escola, mas não aprende, estão tirando o direito dele de aprender, é uma falha inclusive legal;, manifesta. Outros países da América Latina também apresentam um cenário educacional precário, mas Rebeca lembra que não podemos comparar essas realidades. ;Temos problemas comuns em termos de rede, como salário e pouca qualificação, mas não podemos comparar;, afirma.

A tecnologia já faz parte da rotina das salas de aula e, além dos queridinhos celulares, tablets também entraram na roda. Apesar de serem considerados por alguns como fuga de atenção, é difícil evitar a presença desses aparelhos tecnológicos nas escolas e universidades. ;Já passou a fase que a escola era rival da tecnologia, porque achava que atrapalhava a aprendizagem. Agora, o professor se abre para o mundo de recursos para chamar a atenção dos alunos. Com a ajuda da escola e dos pais, o aluno precisa saber filtrar o que é proveitoso;, comenta o professor Silvio Augusto Miranda. (IG e CV)


Professores pioneiros


Nascida em Goiânia, uma das professoras pioneiras do Distrito Federal Natanry Ludovico Lacerda Osorio parecia destinada à capital federal. Determinada, de espírito desbravador, sonhava em fazer parte da primeira equipe de educadores de Brasília. ;Bati o pé. Queria ajudar na educação. Minha vocação é de educadora. Fui contratada por Israel Pinheiro em agosto de 1959, antes mesmo da inauguração de Brasília.;

Ao chegar, a impressão que teve foi a de estar em um faroeste. ;Eram duas situações climáticas: ou era poeira ou lama. Mas isso me enchia de esperança. Juscelino era contagiante. Sempre vi Brasília com entusiasmo. Ainda não tinha lago, mas já via acontecer;, conta a educadora de voz firme e energética.

Em 1979, o sonho da professora se tornou realidade e ela lecionou em Taguatinga, onde alfabetizou a primeira turma de candanguinhos (como eram conhecidos os filhos dos pioneiros que vieram para Brasília durante a sua construção), feito do qual muito se orgulha. A professora é viúva de Antônio Carlos Osório, primeiro advogado a montar um escritório na Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante.

Sobre a relação com Juscelino Kubitschek, apesar de não tido contato direto com o ex-presidente, ela relata que ele sempre foi entusiasta. ;Passava e cumprimentava a todos. Nunca teve vaidade. Era uma pessoa simples, afetuosa e cheia de alegria. Seu espírito contagiava a todos;.

Hoje, com 79 anos, Natanry conta que a chama de pioneira permanece acesa. Ela foi administradora do Lago Sul em 2006 e é cofundadora da Ação Social do Planalto, que trabalha com crianças em situações de risco. ;Tenho uma dedicação grande a tudo que faço. E continuo trilhando o caminho no auxílio ao próximo.;

Com cinco filhos, 12 netos e cinco bisnetos, ela procura estimular os pequenos no hábito da leitura. ;Preparamos um momento sem celular ou tablet. Ali é só o livro. Conto histórias o tempo todo. Explico que é assim que eles vão aprender a ler e escrever;.



Nascido em Santos, Isaac Roitman cursou odontologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP), de 1959 a 1962. Durante esse período, ele se interessou pela microbiologia. ;Fiz um curso de odontologia, mas não tinha vocação alguma. Durante o curso, um professor me mostrou o caminho da ciência e da academia. Ele foi meu inspirador. Fiz uma pós no Rio e passei temporadas no exterior, nos EUA, Israel, Inglaterra estudando. Foi baseado nesses exemplos que decidi me tornar professor;, conta.

Roitman iniciou a carreira profissional em 1964, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele se mudou para Brasília em 1972, quando começou a lecionar na Universidade de Brasília (UnB), implantou o Laboratório de Microbiologia e ajudou a criar o primeiro curso de biologia molecular do país.

;Vim numa época de crise em que a maioria se demitiu por perseguição política, e foi iniciado um renascimento que foi quando vim. Foi um período de entusiasmo, tinha uma dívida com Darcy e Anísio. Colocamos a UnB numa posição correta, mas precisamos melhorar o trabalho, não terminou;, contou.

Com 58 anos de carreira e 79 de idade, o professor emérito da UnB continua ligado ao Núcleo de Estudos do Futuro da universidade. Ele orientou 19 teses de mestrado e nove de doutorado, apresentou 166 trabalhos em reuniões científicas e publicou mais de 61 trabalhos em revistas científicas.

Aos alunos, ele aconselha que aproveitem o tempo de estudo. ;O tempo não volta, tem de aproveitar para crescer a cada minuto, sempre dar um passo para frente para ser uma pessoa importante para a sociedade. O maior prazer do professor é ver que seus estudantes o ultrapassaram. Tenho alunos que começaram comigo no ensino médio e, hoje, são capas de revistas internacionais. A melhor coisa para avaliar o professor é o sucesso do aluno.;

Aos professores, ele pede esperança: ;Que não percam o ânimo. A universidade sofre altos e baixos, mas temos um compromisso com essa geração futura;. Isaac é casado com a professora odontóloga Celina, tem quatro filhos e cinco netos, aos quais continua transmitindo sua história e conhecimento.

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