Brasil

Novo drama do Museu Nacional é analisar e identificar as peças recuperadas

Falta de recursos financeiros e estruturais dificulta a recuperação do prédio e do acervo da instituição. Escoramento incompleto, ausência de cobertura nos escombros e de laboratórios para análise do material encontrado são alguns dos problemas enfrentados

Otávio Augusto
postado em 23/10/2018 06:00
Museu Nacional
Cinquenta dias após o incêndio que devastou o Museu Nacional do Rio de Janeiro, pesquisadores enfrentam uma segunda tragédia: o drama de recuperar e identificar as peças. Ainda não é possível dimensionar o total das perdas. O trabalho de escoramento do prédio do século 19 sequer terminou. A tragédia na Quinta da Boa Vista ainda é investigada pela Polícia Federal. Não se sabe o que causou o fogo.

A localização de peças como o crânio de Luzia, fóssil humano de 13 mil anos ; o mais antigo do Brasil ;, do meteorito Angra dos Reis ; com data de 4 bilhões de anos, quando o sistema solar ainda estava em seus primórdios ;, e de fragmentos de dinossauros, que podem ter vivido na América do Sul há 80 milhões de anos, alimenta a expectativa de historiadores de se encontrar parcela do acervo. Outros artigos foram localizados e estão em processo de triagem e catalogação por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A relação completa não foi divulgada a pedido da Polícia Federal. Cerca de 25 profissionais trabalham nesse processo.

Contudo, a carência de estrutura, como laboratórios, ainda é um entrave para a recuperação e análise dos materiais que são resgatados. A saída mais rápida encontrada por autoridades públicas é a compra de contêineres, orçados em R$ 2,2 milhões, que servirão de local de trabalho para os pesquisadores. A medida só foi possível após um convênio entre a direção do museu e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJDFT) para a construção dos laboratórios. Serão utilizados recursos do Fundo de Penas Pecuniárias (multas aplicadas pela Justiça).

Para a retomada das atividades do museu, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão cedeu uma área da União com 49,3 mil metros quadrados. O local fica a menos de um quilômetro da sede do museu, queimada em 2 de setembro. A museóloga da Universidade de Brasília, Andrea Consentino, defende mais investimentos em condições de trabalho para os pesquisadores. ;Precisa-se reconstruir minimamente os laboratórios para que as peças sejam protegidas. Fazer isso em contêineres não é a situação ideal, mas, se momentaneamente resolve, é aceitável. Isso é importante para analisar o que será achado, o quanto e em qual estado;, explica.

Responsabilidade

O presidente regional do Conselho Federal de Museologia, Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior, cobra responsabilidade no resgate das peças. ;Quando acontece qualquer desastre com uma instituição museológica é preciso encontrar um outro local para preservar o que se tem e o trabalho dos pesquisadores. Existem várias instituições museológicas no Rio de Janeiro que podem abrigar os pesquisadores. É impossível que a UFRJ não tenha um espaço para realocá-los;, critica.

As buscas pelo que restou do incêndio estão no início. As obras de reforço da estrutura do prédio ainda não terminaram. O essencial para pesquisadores é instalar uma cobertura para proteger os escombros da chuva. Isso ainda não foi feito. O Ministério da Educação liberou R$ 10 milhões para a recuperação. Uma das hipóteses é de que armários de aço e cofres tenham preservado parte do acervo do Departamento de Geologia e Paleontologia ; em um local como esses estava o crânio de Luzia. Por outro lado, a expectativa não se estende a documentos de papel da era imperial, múmias egípcias, exemplares de insetos extintos e artefatos indígenas.

Ontem, a direção do museu levou para um ;local seguro; o crânio de Luzia e os meteoritos. O endereço não foi divulgado. Alguns objetos que não foram atingidos pelo fogo por estarem em outros locais também foram transferidos para uma área de armazenagem de patrimônio histórico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para a astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto, muitas peças ainda podem ser resgatadas. ;O meteorito foi encontrado intacto, pois estava em um armário de ferro que resistiu ao fogo. Seu valor é incalculável, assim como de todas as 20 milhões de peças que estavam na instituição e já foram submetidas a uma série de pesquisas ao longo do último século;, explica a professora.

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Na última semana, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, começou uma campanha para sensibilizar deputados federais do Rio de Janeiro. A ideia é que eles destinem R$ 50 milhões em emendas parlamentares para a reconstrução do prédio. ;Esse dinheiro seria usado para recuperação de parte do palácio, aquela parte mais histórica, onde você tinha sala do trono, sala do imperador, os aposentos;, adiantou.

Memória


Acervo queimado

O Museu Nacional do Rio de Janeiro é o mais antigo do país e um dos mais importantes da América Latina. Com acervo de mais de 20 milhões de itens, como coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia e arqueologia. No local, estava a maior coleção de múmias egípcias das Américas, e o mais antigo fóssil humano encontrado no continente, o Luzia. No museu, havia ainda o esqueleto do Maxakalisaurus topai, maior dinossauro encontrado no Brasil. O prédio foi residência da família real entre os anos de 1808 e 1821. Foi sede da primeira Assembleia Constituinte Republicana de 1889 a 1891, antes de ser destinado ao uso do museu, em 1892. O edifício é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. Em 2 de setembro, um incêndio de seis horas destruiu 90% do acervo.

R$ 50 milhões
Valor que a direção do museu pretende angariar com emendas parlamentares de deputados do Rio de Janeiro

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