Agência Estado
postado em 04/01/2019 18:18
Uma cartilha dirigida a homens trans foi tirada do site do Ministério da Saúde na quarta-feira (2/1), seis meses depois de ser lançada. Produzido pela pasta em parceria com organizações não governamentais, o material traz dicas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis voltadas para pessoas que, ao nascer, foram consideradas do sexo feminino, mas que se definem como do gênero masculino.A retirada de circulação ocorreu um dia depois da posse do presidente Jair Bolsonaro e foi atribuída à necessidade se fazer correções no material. Uma das páginas da cartilha exibe um esquema do órgão sexual feminino e um desenho de uma espécie de seringa invertida, batizada de "pump", usada para aumentar o clitóris.
O ministério justificou que o esquema deveria vir acompanhado de esclarecimentos. Não informou, no entanto, porque essa eventual "falha" foi identificada apenas seis meses depois do lançamento do material e se ele será colocado novamente no site.
O uso do "pump" é controverso, uma vez que poderia aumentar o risco de traumas, lesões e infecções no órgão sexual, afirmam técnicos do ministério. A argumentação ainda é a de que a prática é feita para obtenção do prazer e, por isso, não deveria ser abordada pelo ministério.
Integrantes da equipe da pasta ligada à prevenção afirmam, no entanto, que o "pump" tem, sim, de ser abordado e que a inclusão foi feita justamente como um alerta para a necessidade de que a seringas somente sejam usadas com higienização adequada.
A diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, é a primeira da lista de organizadores e colaboradores da cartilha. A reportagem entrou contato com ela, mas não obteve resposta.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também não se pronunciou. Em discurso feito na cerimônia de transmissão de cargo, na quarta-feira (2/1), Mandetta afirmou ter compromisso com a família e com a fé. "Não se chega a cargo de tamanho de responsabilidade sem ter um compromisso muito grande com a família, com a fé, com o país, com a noção de pátria", disse.
No papel
A cartilha também foi impressa e distribuída para serviços dirigidos à população trans em todo o País. A tiragem é de 23,5 mil exemplares. O material começou a ser entregue em novembro. A pasta ainda não definiu se irá recolher a cartilha ou se encaminhará uma errata, com advertências sobre o cuidado para o uso do pump.
Diretora em exercício do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, Rosa de Alencar Souza, afirmou que o centro já iniciou a distribuição do material. "A cartilha traz informações importantes para essa população. Não há nada ali que justifique a retirada de circulação", defende.
Rosa afirma ainda não haver nenhuma restrição à prática do pump. Coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Alexandre Saadeh, conhece a cartilha e acha que o material é importante. "Ali há informações relevantes sobre prevenção de doenças, os direitos dessa população no sistema de saúde, as prevenções de forma geral", observa.
Um dos pontos abordados é o controle da natalidade. Sem informação correta, alguns homens trans imaginam que, com o uso do hormônio masculino para adquirir características masculinas, reduza por completo o risco de engravidar durante relações sexuais com outro homem. "Uma eventual retirada de circulação representaria uma perda, uma dificuldade de acesso a informações de saúde para essa população", avalia o coordenador.
No Distrito Federal, a distribuição das cartilhas impressas também já teve início, informou José Abílio Fagundes, da secretaria distrital de Saúde. De acordo com ele, a receptividade tem sido boa.
Informações
Além de medidas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, a Cartilha para Homens Trans informa sobre todas as garantias dessa população no Sistema Único de Saúde (SUS). Ali consta, por exemplo, que trans têm o direito de ser chamados pelo nome social em toda a rede de saúde pública do Brasil. Isso significa ser chamado pelo nome masculino que o trans utilizada, mesmo que não seja o mesmo indicado nos documentos oficiais. Seguindo a mesma lógica, o Cartão SUS também pode trazer apenas o nome social.
O SUS tem uma política específica para pessoas trans, que inclui o processo de mudança das características físicas. Homens trans, por exemplo, têm direito de consultas com psicólogas, enfermeiras, assistentes sociais e médicos para fazer a terapia hormonal que proporcione características masculinas, como aumento dos pelos, maior propensão para ganho de músculos. Além disso, desde que preenchidos os critérios, é possível realizar cirurgia para retirada das mamas e para retirada do útero - duas estratégias que ajudam a reduzir e eliminar as características femininas.