Otávio Augusto
postado em 08/01/2019 17:57
Entidades que monitoram o ensino superior no Brasil estão preocupadas com a possibilidade de a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) adotar "critério ideológicos" para a concessão de bolsas estudos de pós-graduação e doutorado no exterior. A medida estaria em estudo no órgão que é ligado ao Ministério da Educação. Atualmente, a Capes tem parceria com mais de 20 países.
Em tese, o crivo seria eliminatório. Com isso, o candidato não passando por ele, sequer avançaria para outras etapas. Essa seria uma das ideias do chefe da pasta, o colombiano Ricardo Vélez-Rodriguez. A Capes não explicou o pretende fazer. O regulamento para concessão de bolsas no exterior foi atualizado por meio de portaria um dia após o presidente, Jair Bolsonaro, tomar posse. Uma das alterações baixou a idade mínima para receber bolsa no exterior, de 21 anos para 18 anos. Outra mudança foi a substituição da carta de concessão e o termo de compromisso, que normatizam a concessão de benefícios e as obrigações do bolsista, por um termo de outorga.
Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), considera a possibilidade um "atraso gravíssimo". "Se isso for levado à frente, é inconstitucional. Não pode haver distinção de religião, cor, sexo, sexualidade e de exercício da cidadania em política pública. Esse é um elemento do direito. Agora temos também um elemento da educação. A ciência não tem que conceder bolsa para quem pensa isso ou aquilo, mas sim, para quem é capacitado para desenvolver pesquisa", destacou.
Para o coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), Heleno Araújo, se implementado, o modelo traria retrocessos aos estudantes, pesquisadores e à ciência. "Com o escola sem partido, tentou-se fazer isso na educação básica. Na educação continuada, cerceando o acesso a bolsas de especialização tem o mesmo efeito", ponderou.
"Restrição"
O pesquisador explica que todo pedido de bolsa traz resumo das atividades a serem desenvolvidas e a linha de pesquisa. "Restringindo a participação ou focar no que o governo acredita ser melhor ou mais importante é arbitrário. Se isso se consolidar, para as entidades de ensino superior e científicas será ruim", concluiu.
Professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) Sônia Meire Azevedo, aposta que a "subjetividade" do critério pode levar a distorções. "Nossa história mostra que toda universidade e de produção acadêmica segue um critério meritocrático. Isso retiraria a autonomia dos programas para avaliação e seleção. O governo ainda não disse quais serão os critérios", acrescentou.
Normalmente, as solicitações surgem com base nos projetos já aprovados. Sônia também avalia que haverá prejuízos para a educação. "Política pública não deve ser feita desta forma. Os critérios deverão pender para aquilo que o governo acredita. Para quem é pesquisador isso não faz sentido. Isso nos leva a crer que haverá censura certas pesquisas. A intervenção do estado deve ocorrer para fortalecer o critério meritocrático, em vez do crivo ideológico", completou.
Versão oficial
A Capes não nega e não explica se e como ocorreria a implementação de padrões ideológicos. A informação foi divulgada pelo colunista Ascânio Seleme do jornal O Globo. "Os critérios de seleção para bolsas no exterior são públicos e amplamente divulgados de acordo com os editais e regulamentos. A Capes prima pelo mérito acadêmico e científico, sempre pautado pela qualidade e relevância das propostas", resumiu.
No portal na internet da Capes, o órgão explica que a "cooperação internacional visa dar a oportunidade de formação profissional de alto nível, bem como a especialização para discentes e docentes por meio de bolsas de estudo individuais, institucionais, projetos conjuntos de pesquisa e parcerias universitárias". "O objetivo dos acordos firmados é apoiar os projetos e programas de interesse nacional desenvolvidos em conjunto com países e instituições de reconhecido mérito acadêmico, científico e tecnológico", destaca uma cartilha.
O Ministério da Educação não comentou o caso. O chefe da pasta defendeu em seu discurso de posse, que "é preciso combater o que se denominou de ideologia de gênero, com a destruição de valores culturais, da família, da igreja, da própria educação e da vida social". "Pautas nocivas não serão mais aceitas e vamos combater o marxismo cultural em instituições de educação básica e superior. O MEC não será um bazar de enriquecimento", afirmou.