Agência Estado
postado em 15/01/2019 16:17
Assinado nesta terça-feira, 15, pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto que flexibiliza o acesso a armas de fogo contempla, na prática, o País inteiro. As novas regras associam a liberação ao índice de homicídios indicado pelo Atlas da Violência de 2018, que mostra todos os Estados com taxa acima de 10 por 100 mil habitantes. Com metodologia própria, no entanto, os dados do governo de São Paulo deixariam os paulistas de fora das mudanças. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a taxa é de 6,83 casos (2018). Já a considerada pelo Atlas é 10,9.
Produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Atlas usa dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Com o decreto, o governo fixou a edição de 2018 como a régua para definir quais locais seriam violentas. O estudo apresenta dois anos de defasagem - ou seja, ele é referente a dados de 2016.
O Atlas recorre aos números de violência disponibilizados por hospitais para tentar driblar a ausência de um banco nacional de segurança pública - cenário que já foi alvo de diversas críticas. Em 2018, o então ministro da Segurança Pública do governo Michel Temer, Raul Jungmann, chegou a anunciar que pretendia criar um órgão federal para coletar e analisar dados do País inteiro, mas a proposta acabou vetada pelo ex-presidente.
Hoje, cada Estado produz individualmente suas estatísticas de criminalidade, com critérios e periodicidade diferentes. As naturezas criminais também não seguem um padrão. Enquanto São Paulo divulga "homicídio" e "latrocínio", por exemplo, Pernambuco usa o termo "Crime Violento Letal e Intencional", sem discriminar.
Em São Paulo, os dados são calculados pela SSP com base em boletins de ocorrência registrados em delegacias. A divulgação acontece sempre no mês seguinte aos fatos, o que mantêm as estatísticas mais atualizadas em relação a outros locais. Segundo os dados da pasta, no entanto, o Estado já estaria abaixo de 10 casos por 100 mil habitantes desde 2015. Naquele ano, a taxa foi de 8,73, índice que caiu nos anos seguintes para 8,12, em 2016, e 7,54, em 2017.
Isso porque a SSP não contabiliza as mortes decorrentes de ações policiais no índice global de homicídios - em 2017, essas mortes bateram um recorde histórico no Estado, com mais de 940 casos. Já o Atlas inclui as chamadas mortes por intervenção legal na taxa que produz, levando à discrepância. A diferença também é explicada pelo fato de o índice de São Paulo não levar em consideração os casos de latrocínio (roubo seguido de morte) e lesão corporal seguida de morte, computadas de forma separada.
Na semana passada, o secretário de Segurança de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos, foi questionado pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre o decreto, na época em estudo, e não apresentou críticas. "Sinceramente, não vejo como gravoso a posse da arma para o cidadão de bem, aquele cidadão que tem condições técnicas e psicológicas e pode manter sua arma segura. Isso sempre existiu antes do Estatuto do Desarmamento. Me lembro que na casa dos meus pais tinha uma arma em cima do guarda-roupa que era para dar segurança para a nossa pequena propriedade. Ele nunca usou, mas ela estava ali e nos sentíamos mais seguros com aquilo."
A reportagem questionou a Secretaria sobre o tema e aguarda posicionamento.
Decreto altera 'efetiva necessidade'
A principal mudança assinada por Bolsonaro alterou as regras na declaração de "efetiva necessidade", critério necessário para posse de arma. "Esse nosso decreto trata especificamente da posse da arma de fogo, outras coisas (porte de arma) dependeriam obviamente de mudanças da lei", afirmou Bolsonaro.
Pela regra anterior, o interessado em ter arma de fogo deveria justificar o motivo - estar ameaçado de morte, por exemplo - que passaria por aprovação de um delegado da Polícia Federal. Agora, o decreto estabelece "presunção de veracidade" para agentes de segurança, moradores de zona rural e de cidades com "elevados índices de violência". "O grande problema que tínhamos na lei era a comprovação da efetiva necessidade, isso beirava a subjetividade", disse o presidente.