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Avisos ignorados sobre risco em barragem poderiam ter evitado tragédia

Avisos de especialistas, protestos e até pedido de suspensão de licença da Mina Córrego do Feijão, que poderiam ter evitado o desastre em Brumadinho, não tiveram a devida atenção. A área da barragem estava prestes a ter o trabalho de exploração intensificado

Luiz Ribeiro/Estado de Minas, Thiago Madureira/Estado de Minas
postado em 27/01/2019 08:00
Casa atingida pela lama da barragem: temores constantes dos moradores se concretizaram no desastre de sexta-feira

Não faltaram alertas nem recomendações de ambientalistas e associações de moradores, mas eles foram ignorados. E a área da barragem que se rompeu na sexta-feira, em Brumadinho, ainda estava prestes a ver uma intensificação na atividade de exploração mineral de ferro. A Vale pediu, e o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas (Semad), aprovou, em 11 de dezembro, a licença para que a empresa ampliasse a capacidade produtiva da Mina de Jangada e da Mina Córrego do Feijão, estruturas vizinhas, dos atuais 10,6 milhões de toneladas por ano para 17 milhões de toneladas por ano. A votação no Copam só teve um voto contrário entre os nove conselheiros que decidiram a questão, mas o risco na região de Brumadinho foi citado em uma ata da reunião extraordinária do órgão ambiental que aprovou a mudança pedida pela Vale.

Ambientalistas apontam uma série de problemas na análise do projeto, como a falta de um mapeamento detalhado dos impactos do novo empreendimento, principalmente na bacia hidrográfica do Paraopeba, cujas águas complementam o abastecimento da capital, Belo Horizonte, além de cerca de 50 cidades da região metropolitana e do entorno. A tramitação do pedido se beneficiou ainda de uma mudança em uma deliberação normativa que reduziu as exigências para intervenções de grande potencial poluidor e degradante.

O único voto contrário à aprovação partiu da ambientalista Maria Teresa Corujo, a Teca, do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc). Além dela, votaram representantes da mineradora e do governo do estado. Segundo Maria Teresa, a análise do pedido de ampliação das atividades na mina da Vale foi feito às pressas. ;Não foi apresentado um balanço hídrico completo, de quais seriam os reais impactos nas águas do local e do entorno;, disse. ;Aquela área já precisa, muitas vezes, de caminhão-pipa para ser abastecida.; Falta no estado, afirmou Teca, esforço maior para aprovar legislação mais rigorosa para segurança de barragens. ;Desde o ano passado, temos cobrado, na Assembleia Legislativa, a aprovação do projeto de lei de segurança de barragens;, contou. Para a aprovação, a classificação de risco do empreendimento foi reduzida de 6 ; dada historicamente ao local ; para 4. Além disso, o licenciamento foi dado em uma só fase de análise, diferentemente das três que costumam nortear as decisões: licença prévia, instalação e operação.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o superintendente da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Rodrigo Ribas, disse que o rebaixamento do projeto da barragem Brumadinho, da classe 6 para a 4, ocorreu apenas por uma questão técnica, resultado de uma mudança em uma lei estadual que alterou os critérios de classificação dos empreendimentos. Uma das diferenças da classe 4 para a 6, segundo ele, diz respeito ao custo geral do licenciamento, mais barato para a menor classificação.

Pedido


Para os moradores, o risco da exploração de minério na Serra do Rola-Moça sempre foi motivo de preocupação. E o temor cresceu depois de 11 de dezembro, quando a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) aprovou licença de ampliação e capacidade produtiva do complexo das minas da Jangada e do Córrego do Feijão. Em reação, a Associação Comunitária da Jangada apresentou um recurso no governo do estado em 10 de janeiro para anulação da licença.

A presidente da Associação Comunitária da Jangada, Carolina de Moura, vê falta de transparência no projeto. ;O que a gente pode afirmar é que os estudos de impactos são insuficientes;, frisou. ;Esse projeto apresentado fala, inclusive, em mexer nessa barragem que se rompeu. Eles queriam fazer o aproveitamento do minério que está em meio ao rejeito e descomissionar a barragem, que era o grande passivo da mineração na região.; Segundo Moura, a associação não recebeu resposta do poder público sobre a solicitação da recusa da licença.

O Estado de Minas teve acesso ao documento de ampliação da exploração da área. É possível observar que a Vale tinha o objetivo de operar na barragem que se rompeu, conforme o seguinte trecho: ;Recuperação de finos da barragem I e VI da mina Córrego do Feijão;. A barragem, inclusive, era uma das que estavam contempladas pela Vale em um programa de barragens de 2009. ;Esse programa de barragem é um projeto antigo, que previa a manutenção dessa estrutura. Cheguei a questionar o presidente da Vale em uma assembleia de acionistas sobre esse projeto, a gente alertou sobre a importância desses recursos;, disse Moura.

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