Jornal Correio Braziliense

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Especialista em combate à corrupção fala ao Correio sobre a Lava-Jato

Matthew Stephenson comenta sobre a comunicação do MP e do Judiciário com o público e comenta a migração do ex-juiz Sérgio Moro para o governo. Estudos produzidos por ele servirão de base para medidas elaboradas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública


Elogiado por diversos integrantes da operação Lava-Jato, como o procurador Deltan Dallagnol, o professor Matthew Stephenson, do curso de direito da Universidade de Harvard, é considerado um dos maiores estudiosos de corrupção e do combate a essa prática criminosa do mundo. No Brasil para palestrar durante o 3; Fórum Jurídico promovido pela Escola da Magistratura Federal (Esmaf), o acadêmico concedeu entrevista ao Correio e falou sobre o uso das redes sociais por membros do Ministério Público e do Judiciário e comentou a migração do ex-juiz Sérgio Moro para o governo.
Os estudos produzidos pelo professor contemplam diversas áreas e devem ser utilizadas como base para as medidas que estão sendo elaboradas pela equipe do atual ministro da Justiça e Segurança Pública. São produções, por exemplo, sobre o fortalecimento das instituições do Estado e da consciência social sobre a prática corruptiva. A expectativa é de que as mudanças legais sejam apresentadas ainda este semestre e passem a contemplar a normatização da prisão em segunda instância e o agravamento de penas aos crimes de colarinho branco.

Apoiador da Lava-Jato, Matthew Stephenson criticou a decisão de Moro de assumir a pasta. ;Ele precisa estar disposto a renunciar no momento certo;, enfatizou. Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

O Ministério Público e o Judiciário devem se comunicar com o público?

Eu acho que há um questionamento difícil sobre o quanto os acusadores (o Ministério Público, no Brasil), que tratam de casos de corrupção ou similares, devam comunicar-se com a mídia, especialmente quando a comunicação ultrapassa a simples explicação do fato e se torna uma forma de defender uma causa ou um setor político. A princípio, eu não classificaria essa comunicação com a mídia como uma violação dos direitos humanos da defesa. Não é uma violação acusar alguém de uma ação criminal. No entanto, acusar deliberadamente alguém de um crime, sem que haja alguma evidência disso, poderia se caracterizar como uma violação dos direitos humanos, sim. Porém, não acredito que seja o caso da operação Lava-Jato. Eu acredito que a razão do forte uso da mídia é para tentar quebrar a força de pessoas ou políticos, especialmente naqueles casos que envolvem gente do mais alto escalão. Agora, é preciso tomar cuidado com a legitimidade, credibilidade e reputação de neutralidade das instituições do Estado. Não está clara a melhor maneira de se utilizar a mídia. Em certos países, incluindo o meu próprio (os Estados Unidos), a recomendação é para que a acusação fale muito pouco à imprensa e não comente sobre os procedimentos utilizados durante as investigações. Em vários outros países, no entanto, acusações lidam com um alto número de escândalos de corrupção e acreditam que, além de tentar preservar a legitimidade e a credibilidade, eles precisam de uma estratégia mais aberta, para se comunicar com o público por meio da mídia ou em debates públicos. Assim, eu não tenho uma visão única de como o Brasil precisa lidar com isso, já que a resposta depende muito das circunstâncias locais.

Deveria o MP e os juízes se comunicarem com o grande público por meio das redes sociais?

Países têm posições diversas sobre se deveriam ou não (esses atores) se comunicarem com o grande público. Nos Estados Unidos, as normas são mais no sentido de que os acusadores não devem falar. Caso falem, seria apenas um briefing em uma coletiva de imprensa, evitando detalhamento da investigação. Já outros países optam por modelos diferentes. No Brasil, pelo que eu entendo, está mais no sentido de se comunicar com o grande público. Assim, membros do MP ou da Justiça passam a interagir com o público por meio das redes sociais. Não só para comunicar sobre o caso, mas também para expressar opiniões sobre a natureza do problema ou o que deveria ser feito com relação ao acontecimento. Então eu não sei se há uma única solução que seja correta para o país. Talvez haja diferenças com relação às peculiaridades de cada país. Nos Estados Unidos, devido à sua história, é inapropriado para os acusadores falarem sobre a investigação ou emitirem opiniões. Mas isso não significa que outros países não possam optar por uma maneira diferente. Eu conversei com alguns experts brasileiros que argumentaram sobre o motivo de a acusação e o Judiciário se utilizarem de instrumentos de comunicação com o público, como as redes sociais. Deram argumentos plausíveis de que a situação brasileira é diferente da do resto do mundo. Porém, também há outros especialistas que disseram o contrário: que toda essa exposição da Lava-Jato gerou um desconforto. O que eu posso dizer é que esse é um debate que ainda estamos tendo.

O ex-juiz Sérgio Moro, que até então atuava na Lava-Jato, deixou a operação para assumir um cargo político. Como a decisão foi vista internacionalmente? Afeta as medidas de combate à corrupção?

Eu tenho escrito sobre as minhas primeiras reações quando vi que o juiz Moro aceitou a posição de ministro da Justiça (e Segurança Pública). Minha reação inicial foi de que essa escolha não foi uma boa decisão para o combate à corrupção no Brasil. Porém, eu tive a oportunidade de conversar com muita gente daqui (do Brasil) e percebi que pode, talvez, ter algumas vantagens ele assumir o cargo. Há também um fato importante a considerar: algumas figuras políticas, especialmente do PT, passaram a atacar a investigação, não só pelas decisões individuais, mas fizeram isso diretamente às instituições. Isso pretendeu atacar a credibilidade e a autonomia dessas instituições. Então, o fato de o juiz Moro aceitar o cargo oferecido pelo presidente Bolsonaro tornou muito mais difícil para mim, que sou um outsider e defensor da operação Lava-Jato, manter essa defesa. Para as pessoas que não conhecem o Moro, e eu não o conheço pessoalmente, o que pareceu é que essa pessoa (Moro) que foi acusada, durante anos, de ter perseguido o PT, que pôs o ex-líder do partido, o ex-presidente Lula, na cadeia, passou a receber um cargo no governo opositor. Lula ainda tinha pretensões políticas e viu o opositor ganhar as eleições e imediatamente oferecer um cargo ao juiz, que se tornou um integrante da Esplanada. Eu acho que foi um grande passo para trás, porque, mais do que qualquer indivíduo ou caso, é mais importante para o Brasil, que pretende enfrentar a corrupção, acrescentar a credibilidade, preservar as autonomias e ter certeza de que a comunidade internacional e o povo brasileiro entendam que a corrupção não é só sobre política e políticos. Eu acho que o juiz Moro atuou de acordo com a própria consciência e que achava que era melhor para o país. Não tenho qualquer outra razão para acreditar que haja algum motivo impróprio para as suas atitudes, mas não pegou bem. Eu falei com muitas pessoas que conhecem Moro e que têm boas opiniões sobre ele. Eles defenderam que ele vai ter um papel importante para convencer o governo Bolsonaro de que será necessário aprovar reformas que mudem o sistema de forma positiva. Moro tem uma grande credibilidade junto à população, então Bolsonaro, de uma certa forma, precisará dele. Assim, pode acabar cedendo às agendas do ministro, isso é possível, mas eu ainda temo que não tenha sido a melhor decisão em termos de combate à corrupção. Uma coisa é certa: ele precisa estar disposto a renunciar no momento certo, se Bolsonaro não seguir o comprometimento de aprovar as agendas anticorrupção. Também é preciso ter a liberdade de aprovar até as agendas que possam vir a facilitar a investigação do presidente ou da família do presidente ou associados. Caso isso aconteça, será um sinal mais forte de que não é apenas esquerda ou direita, mas o fortalecimento das instituições.

Onde o Brasil ainda precisa avançar no combate à corrupção?

Eu não conseguiria fazer uma consideração específica do que o Brasil deveria fazer. Eu estudo a corrupção como escala e, por isso, estudo o Brasil, que é um dos principais países para se estudar neste momento, especialmente por causa da Lava-Jato. Seria inapropriado eu conceder recomendações específicas do que poderia ser feito. No entanto, acredito que há várias áreas que podem ser melhoradas como um todo. Os procedimentos iniciais podem ser facilitados; pode-se também aprimorar as leis anticorrupção e criar normas para melhorar a relação dos financiamentos de campanhas. Uma das coisas que eu poderia dizer é que eu estou muito impressionado sobre como a relação da sociedade civil, a classe acadêmica e outros têm desenvolvido um pacote de reformas contra a corrupção neste país. O modelo não foi internalizado (de outro país), mas construído pelos próprios brasileiros, que conhecem a realidade do país.

Que diferenças o senhor observa entre a operação Lava-Jato e a operação Mãos Limpas na Itália?

Obviamente o Brasil e a Itália não são o mesmo, estão em diferentes regiões, têm histórias diferentes etc. Agora, a Lava-Jato foi além do que a operação Mãos Limpas conseguiu ir. Eu acredito que há também o impacto político como diferencial. Na operação Mãos Limpas, houve um colapso dos três ou quatro dos maiores partidos políticos do país, que deixaram de existir juntos. Porém, no Brasil, o PT ainda continua forte no cenário político, com um número de cadeiras (no parlamento) substancial. Então, a reconfiguração do sistema político na Itália foi maior do que no Brasil.