Brasil

Tragédia de Brumadinho: bombeiros trabalham em condições extremas

Mesmo com parcelamento de salário e 13º atrasado, bombeiros de Minas não medem esforços no resgate de vítimas sob a lama

Iracema Amaral/Estado de Minas, Mateus Parreiras/Estado de Minas - Enviado Especial
postado em 29/01/2019 10:06
Exaustos depois de tentativa de resgate, bombeiros descansam e reúnem forças para novo trabalho
Brumadinho (MG) - A 600 metros da área não atingida pelos rejeitos do rompimento da Barragem de Córrego do Feijão, no povoado de mesmo nome, em Brumadinho, na Grande BH, a descoberta de um ônibus de funcionários da mina obrigou os bombeiros a trabalhar em condições extremas. Uma situação que resume bem as dificuldades, obstáculos e exigências mentais às quais esses socorristas se expõem, para regatar corpos e procurar sobreviventes desse que é um dos piores desastres socioambientais do Brasil. Cerca de 100 militares chegaram a ser empenhados em várias frentes de trabalho nesse cenário de devastação, sendo que 85 deles nas chamadas ;zonas quentes;, os locais mais perigosos e com maior número de vítimas.

[SAIBAMAIS]O ônibus foi encontrado no domingo, mas só pôde ser acessado nessa segunda-feira (28/1), devido à falta de luz no anoitecer. Logo às 6h, 20 bombeiros militares de Minas Gerais e do Rio de Janeiro se deslocaram pela área arrasada pela lama e rejeitos. Um terreno instável, apresentando partes de concentração líquida que lembra um córrego ou lago, com até 2 metros de profundidade, e outras de lama movediça, que aparenta estar mais firme, mas engole com facilidade quem não se desloca com cuidado e técnica.
;São áreas de acesso muito difícil. Por isso pedimos as pessoas para não entrar nessas áreas;, afirma o comandante de salvamento especializado do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Leonard Farah. O porta-voz da corporação, Pedro Aihara, afirma que mesmo entre os socorristas, não são todos que podem participar das ações nos lugares mais complexos. ;Na área quente, nem mesmo os bombeiros militares têm acesso livre para fazer buscas. Esse trabalho é feito apenas com equipes especializadas, com cães farejadores e outras forças;, disse.

Uma das formas encontradas pelos bombeiros para chegar ao veículo é recobrindo o solo lamacento com tábuas e pranchas de madeira. Para determinar o local exato da ação e a localização de corpos, o trabalho dos cães farejadores é fundamental. No caso do ônibus encontrado no domingo, o resgate teve de ser manual, sob forte calor de 34;C. A todo momento os bombeiros precisavam procurar um terreno firme para poder trabalhar. Metade utilizava pás e enxadas para tentar desenterrar o ônibus. A outra metade usou de facões, cordas e motosserras para remover madeira da mata e construir uma rota de fuga, caso a barragem B6, que vinha apresentando perigo, rompesse.
;O ônibus aparentemente é de funcionários, devido à grande quantidade de equipamentos de proteção individual que foram encontrados no seu interior. Mesmo trabalhando o dia todo pode não ser possível resgatar todos os corpos, uma vez que o ônibus pode ter vindo (sendo arrastado) e espalhado mais vítimas pelo local. É uma área bem extensa. Estamos trazendo mais cães, melhorando os acessos e a rota de fuga;, disse o capitão Farah.
[FOTO1325476]

Quando parte da lataria do veículo foi exposta, os socorristas puderam constatar o poder da devastação. O ônibus de cerca de 45 lugares estava achatado, com menos de um metro de altura. Entre o metal retorcido e a lama que preenchia tudo, foram identificados dois corpos. Os trabalhos foram intensificados. Mais ferramentas foram trazidas em duas viagens por helicópteros. A própria aproximação das aeronaves gera ainda mais perigo, uma vez que os helicópteros ficam pairando a menos de um metro do chão. Quando se aproximam, as equipes removem todos os tipos de detritos e objetos que podem ser atirados pelo deslocamento de ar provocado pelas hélices. Todos também precisam se proteger das pás giratórias e por isso deitam na lama e até se escondem para ficar abaixo delas.

O soterramento é tão extenso que os bombeiros chegaram a levar uma motobomba e mangueiras para tentar desagregar o rejeito com jatos de água. ;A motobomba é para fazer um desmanche hidráulico da lama que soterrou o ônibus, utilizando a própria água de um córrego que passa aqui;, disse o capitão Farah. Para captar a água do córrego, mais trabalho duro. Os tapumes que cobriam o solo foram usados para fazer um barramento e um dos bombeiros precisou entrar na água acumulada para posicionar a mangueira, ficando com água até a altura do seu queixo.

O cheiro forte dos corpos em decomposição tornam aquele ambiente ainda mais hostil, Uma dezena de urubus orbitava os locais onde as vítimas eram descobertas. Muitas moscas também se concentram nessas áreas, atrapalhando a concentração dos bombeiros. No final de tanto esforço, dois corpos foram removidos, depois de terem sido usadas serras circulares e desencarceradores. Pedaços de lataria, de bancos e blocos de lama seca precisaram também ser retirados do interior do veículo para que, enfim, os corpos pudessem ser retirados.

Sem 13; e salários parcelados


Parcelado Bombeiros realizam um trabalho árduo, meticuloso, que requer muito treinamento, com a lama até o nariz, para não afundar. Nesse esforço, eles realizam a sua missão sem a contrapartida mínima do estado. Pagamento dos salários são parcelados, assim como será o 13; salário de 2018. Uma situação vivida por outros servidores do estado, como é o caso dos funcionários que participam do resgate e do amparo às vítimas, entre eles os policiais civis e profissionais da saúde da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

A Secretaria de Estado da Fazenda confirmou ontem que a terceira e última parcela dos salários, para em torno de 600 mil servidores, foram depositadas ontem nas contas bancárias. Neste mês, os salários foram parcelados em três vezes: dias 14, 21 e 28. Por enquanto, o 13; é uma incógnita. Ontem, o governador Romeu Zema (Novo) prometeu anunciar a forma de pagamento do abono natalino de 2018.
;O cão nos ajuda a sinalizar os locais onde podemos ter corpos. Estou aqui desde o primeiro dia. É um terreno muito desgastante e, além de me preocupar com a minha segurança, também é preciso pensar no cão. Ele é um parceiro e a confiança nossa é mútua;
Sargento Leonardo Costa Pereira

;Hoje (ontem) é meu aniversário. Estava com a minha família, mas quando soube da tragédia, só pensei em ajudar. Pensava em que poderia fazer para ajudar a população. Dar um conforto aos familiares ao resgatar um corpo. Infelizmente é o que resta muitas vezes para fazer por essas pessoas que estão desaparecidas;
Subtenente Selmo Andrade

;Esses eventos são de uma magnitude muito grande, com um sério dano ambiental. Qualquer perda de vida que a gente tenha conta muito. Seja uma ou centenas. A gente sente muito. Por isso estamos fazendo o nosso melhor. Para dar um alívio para as famílias. Nós trabalhamos sempre com a esperança de encontrar pessoas vivas;
Capitão Leonard Farah

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação