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Moradores de Paracatu temem risco de contaminação por arsênio

Análise de afluentes e moradores próximos à mina de ouro da cidade mostra níveis elevados do semi-metal. Mineradora Kinross Gold garante que descarte do material é feito em local apropriado e em tanques específicos selados


Além do temor de que as barragens localizadas na cidade de Paracatu sejam palco de uma nova tragédia, semelhante a de Mariana ou de Brumadinho, os moradores do município estão assustados com as suspeitas de que a mineradora Kinross Gold Corporation, empresa canadense, esteja contaminando afluentes do local com arsênio, um semi-metal altamente tóxico. Além de ser cancerígeno, também é causador de diversas doenças.

O geólogo da Faculdade Noroeste de Minas Gerais Márcio José dos Santos, morador do local, chegou a analisar, em 2015, o nível de arsênio em 37 moradores da comunidade Santa Rita. O povoado tem um total de 112 pessoas e está localizada em uma região mais próxima da mineradora. Segundo o estudo, que analisou a urina dos moradores, e foi apresentado no Terceiro Congresso da Sociedade de Análise de Risco Latino Americano, no ano seguinte, o índice médio da substância tóxica no corpo era de 14,7 microgramas por litro. Porém, o maior indicador chegou a 32,5.

Acredita o pesquisador que a população, em especial, da região, contraiu o elevado índice de arsênio por meio da água. Segundo ele, quando a empresa quebra as rochas para buscar o ouro, material explorado pelo local, uma quantidade de arsênio é exposto, no entanto, neste primeiro momento não é prejudicial ao corpo humano. Porém, ao ser depositado junto com os dejetos, se torna altamente tóxico. O problema, explicou o estudioso, é que existe a suspeita de que a substância esteja permeando o solo e contaminando a água da região.

Como a população vizinha à represa consome uma quantidade de água de poços artesanais, além de criarem animais com a mesma água, a suspeita de Márcio José dos Santos é de que os poços estejam contaminados. O pesquisador também avaliou a quantidade de arsênio em alguns córregos perto da mina e constatou que há a existência da substância. ;O ser humano se impressiona quando acontece a catástrofe, mas ninguém se importado com a tragédia que está ocorrendo todos os dias na região;, lamentou.

Segundo o médico e professor de oncologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), André Murad, o limite estabelecido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) é de 10 microgramas por litro, medição também utilizada pela Justiça do Trabalho para estipular limites de riscos aos funcionários. No caso de intoxicação crônica, quando a substância é muito absorvida, o tecido interno é afetado.

Na opinião do professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG Frederico Garcia, o risco de contaminação com rejeitos de minas é alto. ;O problema é que vão se acumulando na cadeia alimentar. Os peixes pequenos comem, são comidos por peixes grandes que o homem vai lá e come. Então, nós acabamos consumindo essas substâncias que, no longo prazo, são muito prejudiciais à saúde pelo acúmulo;, destacou.

Outro lado


Procurados, a Kinross informou que ;segue práticas de mineração bem-estabelecidas para operar de forma sustentável com respeito às pessoas e ao meio ambiente;. Explicam também que, durante o processo de mineração, o material contendo arsênio é ;descartado em instalações duplamente revestidas e projetadas especificamente para sua contenção, chamadas ;tanques específicos;. Estes tanques, explicou a multinacional, ;são selados com argila férrica e com um revestimento impermeável de plástico (geomembrana de PEAD ; polietileno de alta densidade);.

Eles também defenderam que as atividades da empresa são ;controladas e monitoradas;, além de reforçarem que estão em conformidade com a lei. ;O rejeito direcionado para as barragens da empresa durante todo seu ciclo produtivo é considerado não perigoso de acordo com norma técnica vigente;, informou.

Sobre as pesquisas levantam a suspeita de que as operações da mineradora elevaria os problemas de saúde de moradores, a Kinross afirmou que os níveis de exposição em Paracatu ;foram semelhantes aos de outras cidades no estado de São Paulo e inferiores aos níveis médios encontrados nos EUA;.

Refúgio abandonado

Além da preocupação diária com relação às barragens que foram construídas no local, os moradores das comunidades próximas a Paracatu (MG), não contam com um sistema de proteção adequado, caso as construções de Santo Antônio e Eustáquio, que juntos somam mais de 560 milhões de metros cúbicos de rejeitos, não suportem a pressão.

O local, que deveria ser um ponto de refúgio para a população, não conta com uma estrutura minimamente adequada. Ao chegar à localidade, a reportagem se deparou com uma pequena placa que especificava a função do local. No entanto, além de uma pequena igreja e duas construções pequenas, que serviriam para a acomodação dos moradores, a empresa ainda não construiu um ambiente de refúgio apropriado. A área está em um dos pontos mais elevados, mas distante das casas dos moradores da região, o que dificulta a ida em um suposto momento de crise.

Segundo o filho de uma das moradoras, Caio Querino, 32 anos, que passou a morar perto da região, as pessoas se preparam para o pior. ;Nós estamos nas mãos deles. Eu fico vendo o noticiário para saber a atitude que preciso tomar, caso o pior aconteça. Já imagino o caminho que farei, caso a barragem não aguente a pressão. Mas se ficarmos isolados lá, não teremos nem estrutura, nem alimentos;, reclamou.

As duas barragens da região, Santo Antônio e Eustáquio impressionam em meio aos grandes montes arborizados do local. No entanto, a quantidade guardada pelas duas construções chegam a se aproximar em 10 a quantidade de lama contida na barragem do Fundão, em Mariana, que continha cerca de 56 milhões de metros cúbicos. Contudo, a barragem de Eustáquio, que hoje tem 147 m; de rejeitos, tem capacidade de elevar o número a 750m;.