Brasil

Moradores de Paracatu temem risco de contaminação por arsênio

Análise de afluentes e moradores próximos à mina de ouro da cidade mostra níveis elevados do semi-metal. Mineradora Kinross Gold garante que descarte do material é feito em local apropriado e em tanques específicos selados

Simone Kafruni, Lucas Valença - Especial para o Correio
postado em 30/01/2019 06:00
Geólogo Márcio José dos Santos, no local que a empresa determinou ser para refúgio em caso de problemas. Levantamento conclui que há contaminação de água na região
Além do temor de que as barragens localizadas na cidade de Paracatu sejam palco de uma nova tragédia, semelhante a de Mariana ou de Brumadinho, os moradores do município estão assustados com as suspeitas de que a mineradora Kinross Gold Corporation, empresa canadense, esteja contaminando afluentes do local com arsênio, um semi-metal altamente tóxico. Além de ser cancerígeno, também é causador de diversas doenças.

O geólogo da Faculdade Noroeste de Minas Gerais Márcio José dos Santos, morador do local, chegou a analisar, em 2015, o nível de arsênio em 37 moradores da comunidade Santa Rita. O povoado tem um total de 112 pessoas e está localizada em uma região mais próxima da mineradora. Segundo o estudo, que analisou a urina dos moradores, e foi apresentado no Terceiro Congresso da Sociedade de Análise de Risco Latino Americano, no ano seguinte, o índice médio da substância tóxica no corpo era de 14,7 microgramas por litro. Porém, o maior indicador chegou a 32,5.

Acredita o pesquisador que a população, em especial, da região, contraiu o elevado índice de arsênio por meio da água. Segundo ele, quando a empresa quebra as rochas para buscar o ouro, material explorado pelo local, uma quantidade de arsênio é exposto, no entanto, neste primeiro momento não é prejudicial ao corpo humano. Porém, ao ser depositado junto com os dejetos, se torna altamente tóxico. O problema, explicou o estudioso, é que existe a suspeita de que a substância esteja permeando o solo e contaminando a água da região.

Como a população vizinha à represa consome uma quantidade de água de poços artesanais, além de criarem animais com a mesma água, a suspeita de Márcio José dos Santos é de que os poços estejam contaminados. O pesquisador também avaliou a quantidade de arsênio em alguns córregos perto da mina e constatou que há a existência da substância. ;O ser humano se impressiona quando acontece a catástrofe, mas ninguém se importado com a tragédia que está ocorrendo todos os dias na região;, lamentou.

Segundo o médico e professor de oncologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), André Murad, o limite estabelecido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) é de 10 microgramas por litro, medição também utilizada pela Justiça do Trabalho para estipular limites de riscos aos funcionários. No caso de intoxicação crônica, quando a substância é muito absorvida, o tecido interno é afetado.

Na opinião do professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG Frederico Garcia, o risco de contaminação com rejeitos de minas é alto. ;O problema é que vão se acumulando na cadeia alimentar. Os peixes pequenos comem, são comidos por peixes grandes que o homem vai lá e come. Então, nós acabamos consumindo essas substâncias que, no longo prazo, são muito prejudiciais à saúde pelo acúmulo;, destacou.

Outro lado


Procurados, a Kinross informou que ;segue práticas de mineração bem-estabelecidas para operar de forma sustentável com respeito às pessoas e ao meio ambiente;. Explicam também que, durante o processo de mineração, o material contendo arsênio é ;descartado em instalações duplamente revestidas e projetadas especificamente para sua contenção, chamadas ;tanques específicos;. Estes tanques, explicou a multinacional, ;são selados com argila férrica e com um revestimento impermeável de plástico (geomembrana de PEAD ; polietileno de alta densidade);.

Eles também defenderam que as atividades da empresa são ;controladas e monitoradas;, além de reforçarem que estão em conformidade com a lei. ;O rejeito direcionado para as barragens da empresa durante todo seu ciclo produtivo é considerado não perigoso de acordo com norma técnica vigente;, informou.

Sobre as pesquisas levantam a suspeita de que as operações da mineradora elevaria os problemas de saúde de moradores, a Kinross afirmou que os níveis de exposição em Paracatu ;foram semelhantes aos de outras cidades no estado de São Paulo e inferiores aos níveis médios encontrados nos EUA;.

Refúgio abandonado

Além da preocupação diária com relação às barragens que foram construídas no local, os moradores das comunidades próximas a Paracatu (MG), não contam com um sistema de proteção adequado, caso as construções de Santo Antônio e Eustáquio, que juntos somam mais de 560 milhões de metros cúbicos de rejeitos, não suportem a pressão.

O local, que deveria ser um ponto de refúgio para a população, não conta com uma estrutura minimamente adequada. Ao chegar à localidade, a reportagem se deparou com uma pequena placa que especificava a função do local. No entanto, além de uma pequena igreja e duas construções pequenas, que serviriam para a acomodação dos moradores, a empresa ainda não construiu um ambiente de refúgio apropriado. A área está em um dos pontos mais elevados, mas distante das casas dos moradores da região, o que dificulta a ida em um suposto momento de crise.

Segundo o filho de uma das moradoras, Caio Querino, 32 anos, que passou a morar perto da região, as pessoas se preparam para o pior. ;Nós estamos nas mãos deles. Eu fico vendo o noticiário para saber a atitude que preciso tomar, caso o pior aconteça. Já imagino o caminho que farei, caso a barragem não aguente a pressão. Mas se ficarmos isolados lá, não teremos nem estrutura, nem alimentos;, reclamou.

As duas barragens da região, Santo Antônio e Eustáquio impressionam em meio aos grandes montes arborizados do local. No entanto, a quantidade guardada pelas duas construções chegam a se aproximar em 10 a quantidade de lama contida na barragem do Fundão, em Mariana, que continha cerca de 56 milhões de metros cúbicos. Contudo, a barragem de Eustáquio, que hoje tem 147 m; de rejeitos, tem capacidade de elevar o número a 750m;.


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