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Rigidez no solo é novo desafio para buscas em Brumadinho

Bombeiros preveem mais dificuldade no trabalho de resgate a vítimas. Número oficial de mortos chega a 121, com 226 desaparecidos e 93 corpos identificados

Gabriel Ronan - Estado de Minas, Flávia Ayer/Estado de Minas, Luiz Ribeiro/Estado de Minas, Gustavo Werneck/Estado de Minas
postado em 03/02/2019 08:00
Alertas sobre risco de barragens de resíduos minerais em Minas não surtiram efeito e tragédia pintou o rio Paraopeba de vermelho-escuroHoje, o trabalho de busca por desaparecidos da tragédia de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, chega ao décimo dia e os militares do Corpo de Bombeiros encaram uma fase de operações mais desgastante. Devido às dificuldades para se escavar a lama à procura dos corpos, diante da maior rigidez do solo, as missões se tornam mais lentas para a corporação.

Segundo o tenente Pedro Aihara, porta-voz dos bombeiros, os boletins, até então diários, serão atualizados sempre às segundas, quartas e sextas-feiras, por volta das 12h, justamente pela dificuldade de encontrar mais vítimas daqui para frente. Ontem, o número de mortos saltou para 121. De acordo com o último balanço, existem 226 desaparecidos e 93 corpos estão identificados.

As buscas no sábado se concentraram na área de um vestiário dos funcionários da Vale, considerada pelos bombeiros uma nova ;zona quente;. No local, equipes encontram vestígios do mobiliário usado na estrutura, como armários. De acordo com Aihara, o achado representa um avanço considerável nos trabalhos, já que se espera encontrar vários corpos no lugar. ;Identificamos alguns armários que parecem pertencer ao vestiário. Fizemos buscas com muitas equipes no local. Nossos cães estão na área e já identificaram três locais com óbitos. Iniciamos os serviços de escavação e de estabilização do terreno para conseguir acesso a essas vítimas;, informou o tenente.

Além das coordenadas geográficas e dos cálculos matemáticos, a corporação adota uma técnica denominada ;cone de odor; para encontrar restos mortais. ;Fazemos algumas perfurações em pontos estratégicos, de modo que o cheiro, que está sob a profundidade da lama, chegue à superfície. Assim, os cães conseguem identificar se existem corpos embaixo;, explicou o porta-voz.

Desde ontem, os trabalhos contam com o reforço de 64 militares e duas aeronaves da Força Nacional de Segurança. Eles se uniram a 240 bombeiros, sendo 112 de outros estados, e diversos helicópteros, de diferentes órgãos. Há também 86 voluntários e cerca de mil policiais militares trabalhando com a equipe. O comitê de crise estadual se compõe da Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Polícia Civil e Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

Apelos

Se os apelos da comunidade tivessem sido ouvidos, a destruição causada pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, poderia ter sido evitada. Desde a tragédia de Mariana, em 2015, ambientalistas e líderes comunitários alertam para o risco das represas de rejeitos de minério na cidade e em outros municípios da Bacia do Rio Paraopeba, e pedem a descontinuidade dessas estruturas.

Ontem, em novo sobrevoo de helicóptero na região, Breno Carone, integrante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba e diretor da organização não governamental (ONG) Associação para a Recuperação e Conservação Ambiental em Defesa da Serra da Calçada (Arca ; Amasera), lamentou que nada foi feito e que a única barragem que não existe mais foi a que rompeu em 25 de janeiro.

Antigos moradores garantem que o Rio Paraopeba, um dia, já teve coloração meio amarelada, que, com o tempo, foi ganhando o tom avermelhado do minério. Mas, nesses dias após a tragédia na Mina do Córrego do Feijão, o curso d;água se tornou vermelho-escuro, há cheiro de putrefação. Na comunidade do Funil, cidade vizinha de Mario Campos, onde uma passarela de pedestres corta as águas escuras, muita gente se debruça, com tristeza, sobre o leito e se questiona se o rio voltará a ter vida rumo ao São Francisco e ao Oceano Atlântico.

Punição exemplar

O governador Romeu Zema (Novo) sobrevoou a cidade de Brumadinho novamente. Segundo ele, haverá ;punição exemplar; a todos os envolvidos. O chefe do Executivo estadual também disse que fará ;todas as cobranças para que os afetados sejam ressarcidos de forma rápida;, diferentemente do que aconteceu com os atingidos de Mariana.

Zema sobrevoou a área atingida pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Também foi, de carro, à comunidade do Parque da Cachoeira, onde conversou com uma família atingida.


União cobrará gastos

O custo do governo com ações logísticas e operacionais em decorrência da tragédia da Vale em Brumadinho será cobrado na Justiça. A Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que todos os gastos com a mobilização de tropas das Forças Armadas, da Defesa Civil e com equipes dos ministérios serão alvo de ações contra a mineradora.

De acordo com o advogado-geral da União, André Mendonça, podem ser mediados acordos extrajudiciais para ressarcimento dos cofres públicos. ;Absolutamente todo o gasto que o governo federal tiver por conta do desastre de Brumadinho é passível de cobrança judicial pela AGU em face da Vale. Então, toda a mobilização do Exército, da Defesa Civil, dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente vai ser computada e será passível de cobrança judicial por parte da União, das autarquias e fundações em relação à empresa Vale;, disse.

Na manhã de ontem, uma comitiva da AGU ; integrada pelo procurador-geral da União, Vinícius Torquetti, pelo procurador-geral Federal, Leonardo Silva Lima Fernandes, além de André Mendonça ; visitou a região de Brumadinho atingida pela lama. O grupo também se reuniu com o governador do estado, Romeu Zema, e com o prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo.

Ao se encontrar com autoridades locais, os membros da AGU foram informados de que a ação que solicitou na Justiça que as empresas de telefonia entregassem dados sobre a localização dos celulares das vítimas ajudou nos resgates. As informações sobre a geolocalização dos aparelhos no momento da tragédia possibilitaram ou a localização do refeitório.

Vale instala filtro no rio

Com dois dias de atraso, a mineradora Vale instalou, ontem, a primeira membrana de retenção de rejeitos no rio Paraopeba. Equipes colocaram o equipamento próximo à captação de água da cidade de Pará de Minas, a cerca de 40 quilômetros de Brumadinho, onde houve o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. A previsão da empresa é de que outras duas barreiras sejam instaladas hoje. Trata-se de uma medida preventiva para garantir que o abastecimento de água de Pará de Minas não seja prejudicado. Os rejeitos, entretanto, chegaram à cidade na última quarta-feira, segundo técnicos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), que sobrevoaram a área em helicóptero da Polícia Militar (PM).

A alternativa escolhida pela Vale para impedir danos maiores ao meio ambiente utiliza uma membrana no leito do rio, que tem como objetivo buscar reter os sedimentos. A película tem 30 metros de comprimento e profundidade entre dois a três metros. A estrutura funciona como um tecido filtrante, evitando a dispersão das partículas sólidas oriundas da barragem, como argila, silte, matéria orgânica etc. Essas substâncias provocam a turbidez da água, isto é, a alteração da transparência do rio.

A membrana de retenção faz parte do plano de emergência apresentado na quarta-feira pela empresa ao Ministério Público e aos órgãos ambientais. Nele, a Vale divide a área atingida em três trechos. O primeiro está no entorno da barragem que se rompeu, enquanto o segundo intervalo, de 30 quilômetros de extensão, compreende o leito do Rio Paraopeba entre Brumadinho e Juatuba. O terceiro fragmento é o maior: 170 quilômetros, entre Juatuba e a Usina de Retiro Baixo, entre os municípios de Curvelo e Pompéu, na região central do estado. O aparato instalado ontem foi colocado justamente nesta última passagem, a qual, segundo a Vale, tem potencial de receber os sedimentos ultrafinos.

;A fim de manter a verticalidade das cortinas antiturbidez, há correntes metálicas na borda inferior (na parte imersa), não permitindo que o fluxo do rio faça a cortina subir até a superfície da água. Já o elemento flutuante utilizado é uma boia cilíndrica, que pode ser utilizada para conter o avanço de elementos suspensos na água;, informou a empresa, em nota.

Em boletim divulgado na última quinta-feira, o Igam informou que há metais pesados no rio Paraopeba. Segundo o órgão, se verificou quantidades até 21 vezes maiores que o limite permitido dos elementos químicos chumbo e mercúrio.


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