Jornal Correio Braziliense

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Artigo: A vida pede passagem

Não sou do tipo que se comove com comercial de margarina. Sou durona, não choro à toa. Culpa do sangue sertanejo que me corre nas veias. Mas, nesses tempos tão duros que temos vivido, algumas cenas têm me tocado profundamente. Pessoas que salvam, que resgatam, que se jogam na frente, que se alinham por uma causa, que acolhem sem medo, que enfrentam o mundo, a violência, as intempéries e a desumanidade para defender a vida.... Isso, de fato, me emociona.

Acredito que há um anjo bom morando dentro delas, um espírito guerreiro capaz de acionar a coragem, o ímpeto de ajudar, o sentimento de irmandade pelo outro, às vezes tão adormecido. Gosto de pensar que, ao meu lado, há sempre alguém assim ; e sei que há, embora só os reconheçamos em situações extremas.

Digo isso porque de fato me comoveu a cena da mulher tentando, em desespero, tirar o motorista do caminhão atingido pelo helicóptero onde estavam o jornalista Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quattrucci, infelizmente mortos na queda. Ela estava determinada a ajudar, a resgatar, a defender a vida ; a qualquer custo.

Ver o desespero dela para salvar um desconhecido me dá a certeza de que nem tudo está perdido, que ainda posso crer na bondade do ser humano. Imagens assim deixam mais forte a minha fé e, talvez, me ajudem a superar o pessimismo diante das manifestações de ódio e preconceito disseminadas por aí com tanta naturalidade. As palavras da mãe de Boechat foram uma ode à vida, ao respeito pelo ser humano, à humanidade. Coisa mais linda de ouvir. A força daquela mulher falando sobre o filho era de gigante. Um discurso que também salva ; porque nos dá esperança.

Também não me canso de rever as cenas dos bombeiros trabalhando no resgate dos mortos de Brumadinho. Quilômetros se arrastando na lama, um esforço hercúleo para devolver pessoas, vivas ou mortas, aos braços das famílias tão sofridas em busca de notícias, de pistas, de corpos para serem enterrados de forma digna.

As tragédias da vida nos levam para um lugar de dor, mas as pessoas que salvam nos devolvem para o colchão quentinho, para um aconchego de esperança. Elas aquecem nosso coração. É isso que me faz caminhar e não desistir jamais de crer no ser humano.