Brasil

Casa de JK, em Diamantina, fecha as portas por problemas financeiros

Funcionando a duras penas nos últimos anos por causa da falta de repasse de verbas de convênios pelo governo do estado, imóvel onde viveu o ex-presidente encerra seu marco na história

Gustavo Werneck/Estado de Minas - Enviado Especial
postado em 21/02/2019 11:43
Depois de 35 anos recebendo grande fluxo de turistas, monumento do Brasil sai de cena
Diamantina ; Grande perda para a cultura de Minas, a memória do país e o lazer de moradores e visitantes. Depois de 35 anos em funcionamento, a Casa de Juscelino, no Centro Histórico de Dimantina, no Vale do Jequitinhonha, vai fechar as portas amanhã. O imóvel histórico guarda parte da história de Juscelino Kubitschek (1902-1976), ex- presidente do Brasil (1956-1961), ex-governador do estado (1951-1955) e ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945). ;A situação aqui está crítica. Funcionamos a duras penas. Além do atraso no repasse de verbas pelo governo do estado, tivemos o nome bloqueado no Sistema Integrado de Administração Financeira de Minas Gerias (Siafi), pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC), o que nos impede de receber verbas de convênios;, lamenta Serafim Jardim, presidente da entidade sem fins lucrativos que administra o monumento, localizado na Rua São Francisco, 241, no Centro Histórico da cidade, reconhecida como patrimônio da humanidade.

Declarando-se sem alternativas, Jardim ajuizou, no mês passado, ação na Vara da Fazenda Pública Estadual da comarca de Belo Horizonte, para que fosse determinado o desbloqueio da Casa de Juscelino, construção de mais de 150 anos com muito para se ver e curtir no museu, biblioteca, bar e praça de eventos. ;Os prejuízos são grandes, estamos numa luta de décadas. Temos um projeto aprovado pela Lei Rouanet para manter o funcionamento, mas não podemos receber os recursos devido a essa situação;, afirma, com indignação, o homem que foi amigo de JK durante 9 anos, desde o retorno do ex-presidente do exílio na Europa, e sempre orgulhoso da intimidade com o conterrâneo ilustre. ;Alguns até me chamavam de ;secretário;;, lembra o autor do livro Juscelino Kubitschek ; Onde está a verdade?, sobre a morte misteriosa do presidente, num acidente de carro na Via Dutra, em Resende (RJ), em 22 de agosto de 1976.

O movimento no casarão sempre foi constante e o entra e sai de turistas no equipamento cultural prestes a fechar deixa Jardim, de 84 anos, com uma ponta de satisfação em meio à decepção com as autoridades. ;Em janeiro, recebemos cerca de 1 mil visitantes. Só numa manhã, foram mais de 50 pessoas;, revela, com a certeza de quem cuida de um patrimônio único. ;A Casa de Juscelino exerce a função pública de manter íntegro e preservado o rico acervo sobre a vida de JK, a quem Minas e o Brasil devem tanto. Nesse sentido, as leis estaduais reconhecem isso por meio do financiamento público da instituição, que é uma sociedade civil sem fins lucrativos.;
De posse de uma série de documentos, o conterrâneo de JK relata os problemas que se agravaram a partir de 2013, culminando em 2017, quando o governo estadual ficou 22 meses sem fazer os repasses de verbas, no valor anual de R$ 140 mil. A SEC celebra o Termo de Fomento com inúmeras casas culturais, institutos e museus em Minas, e um desses compromissos se refere à instituição em Diamantina. Para evitar o pior, ele pediu ajuda ao vice-governador, Paulo Brant, ;natural de Diamantina pela mercê de Deus;. No dia 15, Brant visitou a Casa de Juscelino e pediu a Serafim para procurar o recém-nomeado secretário de Estado da Cultura, Marcelo Matte ; o que foi feito, embora ainda sem resposta.

;O atraso gerou a quebra do fluxo de caixa, sendo que, no ano passado, ao serem liberados os recursos, não foi possível seguir nosso plano de trabalho;, revela Jardim. Diante da alegação do governo anterior de que havia pendências na prestação de contas de 2012, ele se defende: ;Houve uma indevida análise extemporânea da prestação de contas, mas foi esclarecida. Por isso, essa questão foi objeto de processo judicial, a fim de resgatar a capacidade da Casa de Juscelino, para receber recursos públicos indispensáveis para a função relevante que, a duras penas, executa;.

Quarto do presidente

Pintada de branco, com janelas e portas azuis, aonde se chega subindo uma ladeira pavimentada com pedras capistranas, típicas de Diamantina, a Casa de Juscelino está bem conservada. E sempre em movimento, com grupos de seresta se apresentando no interior e na calçada. Para abrigar todo o acervo, está dividida em duas partes, interligadas pela Praça Seresteiro Boanerges Meira. Nesse espaço, fica uma jabuticabeira, na qual o menino Nonô, apelido de infância de JK, se deliciava com a fruta preferida. Com o tempo, a árvore morreu e, para não ficar na saudade, Jardim decidiu conservar o tronco, o qual foi envernizado, em vez de substituí-la por outra. Ficou parecendo uma escultura.

Serafim explica que JK nasceu na Rua Direita, 106, e morou na casa que hoje leva seu nome dos 3 anos aos 19. Para Jardim, preservar a casa é mais do que uma missão, pois, 13 dias antes de morrer, JK lhe pediu que comprasse o imóvel, então em poder de uma família, e zelasse por ele. O visitante pode ver o pequeno quarto onde JK dormia na infância e uma foto de quando ele, já adulto, a revisitou e sentou na cama. Na parede, foi instalado um quadro com uma frase pinçada de seus escritos: ;Meu quarto era acanhado. Não comportava mais que a cama, uma minúscula mesa, feita em caixote, com a respectiva cadeira arranjada não sei onde. E aí, de fato, às seis horas da manhã, eu começava a estudar;.

Perto dali, há um armário, sem um prego, só com encaixes, doado pela ex-primeira dama Sarah Kubitschek (1909-1996) e feito pelo bisavô de JK, o marceneiro Jan Nepomusky Kubitschek, conhecido como João Alemão e natural da região da Boêmia, na República Tcheca. Em outras partes da residência há, nas paredes, desenhos a lápis, do arquiteto modernista e urbanista Lúcio Costa (1902-1998), datados de 1924, e outros com esboços de Brasília. Chamam a atenção o belo retrato da mãe, a professora Júlia Kubitschek (1873-1971) e a cozinha com o fogão a lenha e utensílios domésticos. ;As pessoas entram no quarto de Juscelino e ficam muito tempo sentadas na cama. Algumas ficam comovidas;, conta Jardim. No casarão, trabalham cinco funcionários, e o pagamento em dia eleva as preocupações de Serafim, ;e, muitas vezes, não tive como pagá-los, sendo obrigado a fazer vales;.
Impossível não destacar a importância do monumento. Um giro pela casa permite descobertas. No anexo, nos fundos, construído em 1994, está o primeiro consultório de JK, formado na Faculdade de Medicina da UFMG em 1927, na capital. Num canto, um aparelho de anestesia, de 1930, doado por um particular de São Paulo; no outro, o equipamento para eletrocardiograma, do mesmo ano; e, pendurado, um jaleco branco. Na sala ao lado, estudantes e pesquisadores têm espaço para estudar em obras doadas pela ex-primeira-dama.

Na biblioteca, pode ser visto ainda um retrato de JK, a óleo, pintado por Di Cavalcanti (1897-1976), que apresenta uma curiosidade. ;A obra foi feita em 1952, quando Juscelino ainda era governador de Minas. Mas ele já traz, no peito, a faixa de presidente da República, o que soa como premonição;, diz Jardim. O quadro foi doado à instituição em 2001 pelos irmãos Walduck Wanderley e Saulo Wanderley e por Sinval de Moraes.

Notas escolares

De férias, o designer Wagner Campelo, morador do Rio de Janeiro, diz que gosta de conhecer as cidades coloniais mineiras e elogiou a preservação do imóvel. ;É muita boa a disposição dos ambientes, um patrimônio a ser mantido.; Na volta da viagem a Porto Seguro (BA) para Uberlândia, na região do Triângulo, uma família fez questão de percorrer com bastante calma a Casa de Juscelino. ;Minha sogra estudou aqui em Diamantina, quando jovem, e disse que não poderíamos deixar de vir;, revelou Mário Dias Maurício Neto, engenheiro civil, ao lado da mulher, Vanessa Amorim Maurício, e dos filhos Guilherme, de 14, e Mariana, de 8.

Curiosos, Guilherme e Mariana se surpreenderam diante da vitrine com as notas escolares do menino Nonô. ;Olha só o que eles estão olhando: as notas baixas de Juscelino;, brincou Vanessa, lembrando que essa parte não era exemplo para estudantes. Perto dali, Serafim explicou que se tratava de uma prova de álgebra. Vanessa contou que a mãe dela, Maria do Carmo Amorim, costumava se sentar com os colegas na porta do casarão e cantar. ;Ela fala sempre com muito carinho desta cidade.;

Em resposta, a assessoria da vice-governadoria informa que ;em 2014, 2015 e 2016 foram assinados outros instrumentos jurídicos e efetuados os repasses, sendo que se encontra vigente o termo de fomento referente ao período de 2017/2018 até 22/3/2019;.

Ameaças a cultura


A ameaça de fechamento de museus mineiros ; primeiro o de Cabangu, em Santos Dumont, na Zona da Mata, e agora o de Sant;Ana, em Tiradentes, no Campo das Vertentes, e o do Oratório, em Ouro Preto, na Região Central ; aumentou a preocupação na Casa de Juscelino, no Centro Histórico de Dimantina, no Vale do Jequitinhonha. Mantido por três instituições ; Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), Fundação Casa de Cabangu e Prefeitura de Santos Dumont, o Museu de Cabangu ficou dois dias fechado, voltando a funcionar em 16 de janeiro. Em nota, a prefeitura, que mantém convênio para pagamento de subvenção mensal de R$ 12,6 mil, informa que foram feitos os repasses no valor de R$ 50,4 mil e depois de R$ 38,2 mil. E mais: existe a possibilidade de inclusão do Instituto Federal (Ifet) de Santos Dumont no próximo convênio, por oferecer cursos de turismo e história, elaborar projetos e explorar o museu para melhor comodidade dos visitantes. Na antiga Fazenda Cabangu nasceu Santos Dumont (1873-1932), chamado de Pai da Aviação.

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