No último ano, 536 mulheres foram vítimas de agressão física, por hora, no Brasil. Dezesseis milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência e 59% da população afirmaram ter visto uma mulher ser agredida física ou verbalmente em 2018. Das que têm entre 16 a 24 anos, 66% sofreram algum tipo de assédio nos últimos 12 meses. Os dados do estudo Visível e Invisível ; A vitimização de mulheres no Brasil ; 2; Edição, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Instituto Datafolha, mostram que a mulher brasileira vive sob risco constante de violência.
Maria*, 14 anos, tinha acabado de fazer uma prova na escola e voltava a pé para casa. Um homem parou o carro, abriu a janela e pediu informações. A menina se aproximou para responder e foi surpreendida com uma pergunta: ;Você não quer entrar no carro?;. Ela se assustou ao perceber que o homem tocava em seu órgão genital enquanto falava. Maria não teve coragem de contar para a mãe quando chegou em casa, pois imaginava que a culpa fosse sua, porque a calça do uniforme da escola era muito justa.
Casos como esse acontecem todos os dias no Brasil. De acordo com o levantamento do Fórum de Segurança Pública, 37,1% das brasileiras com 16 anos ou mais relatam ter sofrido algum tipo de assédio nos últimos 12 meses, o que corresponde a 22 milhões de mulheres. ;Mais mulheres estão tendo coragem de denunciar e estão percebendo que a culpa não é delas;, afirma Mariana Távora, promotora e coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal.
O estudo mostra que, no último ano, 76,4% das mulheres que sofreram violência afirmaram que o agressor era alguém conhecido. Carla*, 20 anos, namorava há muito tempo. Um dia, depois de ter bebido demais, seu namorado a levou para casa, e ela dormiu. Carla* acordou de madrugada, sentindo enjoo, quando se deu conta de que o namorado abusava dela enquanto ela dormia. Apesar de ser apaixonada pelo namorado, Carla* sabia que aquilo era um estupro.
Como ela, 23,8% das mulheres que sofreram violência afirmam que o agressor foi o cônjuge, companheiro ou namorado. ;Muitos agressores são próximos da vítima, e esse vínculo favorece o abusador, porque a vítima questiona se realmente foi violentada;, afirma Mariana Távora.
Ana* tinha apenas 10 anos e voltava da casa de uma amiga. Seus pais viajavam, e o porteiro do prédio a abordou com a desculpa de querer devolver uma foto dela que encontrara no lixo. Quando se aproximou, o homem tentou forçar um beijo e atos sexuais, mas Ana*, por sorte, conseguiu correr. Na época, a menina não teve coragem de contar sobre o ocorrido para os pais, por medo de que não acreditassem, visto que o pai era colega de trabalho do assediador.
Ana* faz parte de grande parcela da população feminina que sofre assédio e não toma medidas. De acordo com o Fórum de Segurança Pública, 52% das mulheres que sofrem assédio não fazem nada a respeito.
Para a professora titular de antropologia da UnB Lia Zanotta, falta um encaminhamento que permita que as ações contra assédio sejam, de fato, cumpridas. ;Falta uma política educacional na escola que ensine, desde cedo, a igualdade de gênero e o respeito à individualidade,; afirma.
Sobre as políticas públicas que já existem, Zanotta completa: ;Se o objetivo é a prevenção do feminicídio, temos que ter um Poder Executivo que caminhe junto com o Judiciário, e é preciso que se estabeleçam grupos de reflexão para mulheres, para que elas possam se organizar e não ficarem submetidas à violência. A Lei Maria da Penha também deve levar a vítima para a resolução, metade dos casos não tem nenhum encaminhamento. A Lei precisa ser posta como está escrita.;
*Nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas
**Estagiárias sob supervisão de Odail Figueiredo
Proteção
Em Brasília, a Casa Abrigo recebe mulheres em situação de risco de violência que optam por não voltar às suas casas por segurança. A casa tem a capacidade de receber até 40 mulheres em um período de 90 dias. A localização é mantida em sigilo, e a vítima pode levar também os filhos. Existem ainda os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceam), que abrigam maior número de mulheres, mas não são sigilosos. As mulheres podem recorrer à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) se sentirem que precisam ser encaminhadas para uma casa abrigo.Vítimas da barbárie
Agressão contra mulheresLocal em que sofrem violência:
42% em casa
29% na rua
8% na internet
8% no trabalho
3% no bar/balada
Tipo de violência:
; 21,8% (12,5 milhões de mulheres) ; ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento
; 9% (4,7 milhões) ; empurrão, chute ou batida (536 por hora)
; 8,9% (4,6 milhões ) ; toque ou agressão por motivos sexuais (9 por minuto)
; 3,9% (1,7 milhão) ; ameaças com faca ou arma de fogo
; 3,6% (1,6 milhão) ; espancamento ou tentativa de estrangulamento (3 por minuto)
Fontes: Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública