Brasil

Após massacre em Suzano, redução da maioridade penal volta à pauta

A proposta foi defendida durante a campanha eleitoral por Bolsonaro e deve ser pauta no Congresso ainda em 2019

Ingrid Soares
postado em 18/03/2019 06:00

Sem estrutura, sistema penitenciário não reduz criminalidade

Um dos temas que voltaram à discussão após o massacre de Suzano é a redução da maioridade penal. A proposta foi defendida durante a campanha eleitoral pelo presidente Jair Bolsonaro, e o assunto deve entrar em pauta no Congresso no correr de 2019. A ideia é reduzir a maioridade de 18 para 17 anos. Alguns parlamentares defendem uma mudança ainda mais drástica, para 16 anos. Entre especialistas, o consenso é de que essa não é solução.

Pela lei, quem tem entre 12 e 18 anos e comete um crime previsto no Código Penal é detido em Unidades de Internação Provisória, junto a outros adolescentes. Uma das proposições em estágio mais avançado no Legislativo é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a idade de prisão para quem comete crimes graves e hediondos, como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e estupro. A proposta chegou a ser aprovada pela Câmara em 2015 e se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, publicou uma mensagem no Twitter se solidarizando com as famílias das vítimas e relacionando o ataque a uma escola em Suzano (SP), ocorrido na quarta-feira (13/3), a maioridade penal ; um dos suspeitos tinha 17 anos ; e ao estatuto do desarmamento, a que qualificou de "malfadado" e disse "ainda" estar em vigor.

Correligionário e colega de Flávio no Senado, Major Olimpio (PSL-SP) foi outro que, na ocasião do ataque ao colégio em Suzano, defendeu a revisão da maioridade penal. Ao Correio, o senador afirmou que pretende destacar a PEC 171/93 ; de autoria de Benedito Domingos (PP-DF) ;, aprovada na Câmara em 2015 e, desde então, aguardando avaliação na Casa Alta. "O projeto está na CCJ. Eu e outros parlamentares já estamos fazendo as gestões no sentido que ele seja debatido e votado na Comissão. Depois, vou pedir um requerimento de urgência para que ele possa ser votado em Plenário", projetou.

O senador ; que chegou a defender a redução para 12 anos, com avaliação biopsicológica para saber se o menor já teria "discernimento do que seja crime" ; avalia ainda que a tragédia na cidade do interior paulista deve acelerar as discussões do projeto. "O menor no Brasil é 007, tem licença para matar. Esse maldito que praticou o crime [em Suzano] com outro maior, se ele não tivesse matado o outro e se matado, daqui um ano ele teria a ficha zeradinha. É isso que o país está vivendo. Essa tragédia com a maioridade penal aos 18 anos. Quem tem 16 anos pode votar para presidente, mas não pode se responsabilizar pela vida", opinou.

O professor Márcio Lima, 44 anos, morador de Águas Claras, é a favor da PEC. ;Tem que ter uma avaliação do crime de potencial ofensivo e da pessoa que praticou. Mas precisa de uma mudança nas cadeias, como está, não recupera ninguém. Não dá para colocar todo mundo num pacote só;, afirma. O motorista Carlos Alberto de Oliveira, 59 anos, concorda. Morador de Santa Maria, ele conta que era proprietário de um ferro velho, mas teve que fechar o negócio após ser assaltado nove vezes por adolescentes armados. ;Eles aprontam, fazem o que querem e a lei não pune;, diz.

A doutora em sociologia e coordenadora-chefe de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Mariana Chies, afirma que, além de não ter estrutura para suportar crianças e adolescentes, o sistema penitenciário não diminui a criminalidade. ;Se prisão resolvesse, com a terceira maior população carcerária do mundo, não teríamos os índices de criminalidade que temos. A população quer respostas rápidas a problemas complexos, e a resposta rápida do governo é colocar na conta de adolescentes, o que é falácia. Temos menos reincidência nas unidades de internação do que nas prisões;, compara.

Recrutamento

[SAIBAMAIS]Segundo a estudiosa, 74% dos adolescentes privados de liberdade estão apreendidos por crimes não violentos, como tráfico, furto e roubo. ;Reduzir a maioridade penal não adianta, porque eles são responsáveis por menos de 10% dos crimes. A saída é o investimento em educação, cultura, lazer, e política repressiva que seja qualificada;, observa. Além disso, ela salienta que as pessoas que mais morrem são negras, de faixa etária entre 16 e 17 anos. ;Temos que falar do jovem enquanto vítima, e não como perpetuador da violência;, pondera.

O conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cássio Thyone, ressalta que diminuir a maioridade penal é facilitar o recrutamento do crime organizado nas cadeias. ;Vários estudos mostram que isso não resolve o problema. Aumentar ainda mais a pressão sobre um sistema penitenciário desorganizado trará resultados piores;, ressalta. Para Thyone, faltam perspectivas para os jovens. ;Quem escolhe a delinquência, muitas vezes, se tornou vulnerável por falta de estudo, emprego e renda. Tem que corrigir esses problemas;, recomenda.

Segundo a psicóloga Priscila Preard, a aplicação de medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, é suficiente. Ela observa que a adolescência é uma fase da vida permeada de momentos de transformação, confusão e dúvidas. ;A redução da maioridade penal não pode ser discutida em nome do bem-estar social de uma parcela da sociedade. É preciso pensar em todas as camadas, principalmente a mais pobre, que será a mais afetada pela mudança da lei. A população carcerária é composta majoritariamente de pobres e analfabetos;, conclui.

Colaborou Fernando Jordão

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