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Mudança na Rouanet pune artistas e favorece empresas, dizem especialistas

Novas regras da Lei Rouanet, como a redução no valor de financiamento por projeto, preocupam especialistas do setor. Para eles, as regras penalizam os artistas e continuarão favorecendo empresas

Maria Eduarda Cardim
postado em 28/04/2019 08:00
Novas regras da Lei Rouanet, como a redução no valor de financiamento por projeto, preocupam especialistas do setor. Para eles, as regras penalizam os artistas e continuarão favorecendo empresasAlvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro desde o período eleitoral, a Lei Rouanet passou por mudanças na última semana. A partir de uma instrução normativa (IN) publicada no Diário Oficial da União, o governo confirmou a redução de 98% do valor máximo autorizado por projeto beneficiado com a lei. A diminuição de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por proposta e de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões no caso de um conjunto delas apresentados por uma empresa gerou críticas de pesquisadores em políticas culturais.

O argumento de especialistas é de que a principal mudança (veja arte) na lei não atingirá o objetivo declarado pelo governo. Ao indicar a redução dos valores, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse que a alteração visa melhorar a distribuição dos recursos. ;Queremos que os pequenos e médios artistas, de todas as regiões, sejam beneficiados. Mais projetos apoiados significam mais atividades culturais em mais cidades do Brasil;, argumentou Terra.

Estudiosos no setor, porém, rebatem a afirmação do ministro. ;Se a ideia era aumentar as chances de pequenos produtores de todo o Brasil, a instrução normativa, que não mexe na lei, apenas cria tetos que são pouco eficazes;, avaliou Alfredo Manevy, pesquisador em políticas culturais e ex-presidente da Spcine ; empresa de cinema e audiovisual de São Paulo. ;Não atinge os grandes captadores, que são os institutos ligados a bancos, nem fortalece o Fundo Nacional de Cultura. Só um fundo nacional seria capaz de chegar onde o patrocínio não chega.;

Professor do Departamento de Audiovisuais e Publicidade da Faculdade de Comunicação da UnB e gestor cultural, Pablo Gonçalo concordou: ;Não resolve a questão da parceria público-privada e não traz, de fato, investimento para o setor cultural. Continua favorecendo as empresas e penalizando os artistas;, avaliou.

Os dois pesquisadores são a favor de alteração na lei, mas acreditam que o debate em torno das políticas culturais não foi feito da maneira correta pelo governo. ;Sem dúvida, o debate em torno das políticas culturais, inclusive da Lei Rouanet, foi mais acalorado que caloroso, produzindo mais fumaça do que luz;, afirmou Gilson Schwartz, professor de economia do audiovisual internacional no Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Arte (ECA-USP).

Gonçalo, que trabalhou no Ministério da Cultura por seis anos, entre 2003 e 2009, disse que a maioria ligada ao setor aprova a alteração da lei. ;No meio artístico, todo mundo é a favor, mas não se pode colocar o artista como aproveitador e rebaixar a classe;, destacou. Para o gestor cultural, houve açodamento com a instrução normativa. ;Essa mudança na lei veio rápida, mas sem fundamento em nenhum estudo e baseada em preconceitos. Não se acaba com um Ministério da Cultura e muda uma lei sem ouvir quem a usa;, criticou.

Novas regras da Lei Rouanet, como a redução no valor de financiamento por projeto, preocupam especialistas do setor. Para eles, as regras penalizam os artistas e continuarão favorecendo empresas

Lado positivo

Nem tudo, porém, desagradou. Para Schwartz, a busca por mais contrapartida social aos incentivos é uma modificação pertinente. ;Gosto da pressão por maior retorno social e também do reforço à promoção da produção regional;, frisou.

A partir de agora, os produtores têm de promover em escolas, comunidades ou outros locais indicados pelas prefeituras pelo menos uma ação cultural com viés educativo relacionada a cada projeto incentivado.

Para motivar gestores culturais a descentralizarem os projetos do eixo Rio-São Paulo, as empresas que apresentarem propostas em locais com histórico de poucos projetos culturais poderão dobrar a quantidade deles na sua carteira. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as empresas podem elevar em 100%. Na Região Sul e nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, em 50%.

;A intenção de chegar às cinco regiões é boa, mas nada de concreto foi apontado. E se o governo conseguir trazer estatais para apoiar a cultura será um avanço;, avaliou Manevy. De acordo com o Ministério da Cidadania, Osmar Terra já abriu negociação com algumas delas para o lançamento de editais de patrocínio com foco na cultura regional.

Regras para recursos

A Lei Rouanet ou Lei de Incentivo à Cultura é uma medida que institui o Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura) e estabelece um conjunto de regras de como o governo federal deve liberar verba para artistas ou instituições culturais. Essa norma foi criada em 1991 e recebeu o nome do autor da liberação, o então secretário de Cultura, Sérgio Paulo Rouanet.

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