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Veja a história do soldador que escapou de Mariana e morreu em Brumadinho

Nos 1.177 dias que separam as tragédias, ele fez curso para se aprimorar no ofício, ergueu a casa onde moram a viúva e a filha e fortaleceu laços familiares

Gustavo Werneck/Estado de Minas
postado em 29/04/2019 13:31
Vivalda exibe foto de Erídio na tela de celular, ao lado de Laércio e Arthur: 'Parece que ele estava adivinhando alguma coisa', diz a cunhadaOs últimos dias foram de lembranças e preocupação para a cozinheira Janaína Geraldiene Moura, de 32 anos, mãe de Damares, de 7, e moradora da comunidade Dandara, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte. De atestado médico, a menina esteve febril e não foi à escola, enquanto Janaína se dedicou a separar as roupas de Erídio Dias, com quem teve um relacionamento durante quase nove anos ; ;aos trancos e barrancos;, conforme define com uma ponta de humor e a intimidade de companheira, mas sem esconder o fio de tristeza na voz.

[SAIBAMAIS];Ainda não sei o que vou fazer, se enviar para a casa da mãe dele, doar para alguém, enfim, não sei;, contou a cozinheira, diante de calças, camisas e outras peças do soldador morto no rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na Grande BH. ;Ele completaria 32 anos em 22 de maio. Na verdade, nasceu dois dias antes, mas foi registrado assim devido à data do batismo.;

A história do registro civil de Erídio é a deixa para Janaína acreditar que ele ;nasceu de novo; em 5 de novembro de 2015, quando trabalhava na Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, na Região Central ; no desastre que comoveu o mundo, 19 pessoas perderam a vida. Porém, passados exatos 1.177 dias da destruição socioambiental sem precedentes, ele foi tragado pelo tsunami de lama que vazou há pouco mais de três meses (25 de janeiro), em Brumadinho, com o desolador saldo de quase 300 vítimas entre mortos e feridos. ;Ele sempre lembrava de ter escapado de Mariana. Tinha um jeito meio gaiato, gostava de fazer graça. Até brincava sobre isso com a Damares, cheio de alegria. Isso significava um orgulho, uma vitória.;

Nesse período entre as duas tragédias, o soldador Erídio, caçula de seis irmãos, procurou aprimorar seu ofício, fazendo cursos de capacitação, concluiu a formação de técnico em mecânica, fortaleceu os laços familiares, especialmente com a mãe, Maria Madalena, de 73, residente em Sem-Peixe, na Zona da Mata do estado, fez planos de trabalhar em São Luís (MA), ergueu com Janaína os cômodos para morar e demonstrou todo o amor de pai. ;Adorava a menina. Geralmente, ficava de segunda a sexta-feira no alojamento das empresas onde trabalhava. Viajava muito também. Chegava aqui só no sábado e retornava ao alojamento no domingo à tarde;, recorda-se Janaína. ;O médico avisou que Damares está com a imunidade baixa, pela situação;.

Mar à vista

Os dois dias ; de renascimento numa quinta-feira, em Mariana, e de morte, numa sexta-feira em Brumadinho ; estão muito fortes na memória de Janaína. No primeiro caso, a versão que Erídio contou para a ex-companheira é que teria ido ;buscar ferramentas num caminhão;, ficando fora da alça de mira dos rejeitos de minério que devastaram a Bacia do Rio Doce. Já em Brumadinho, o fato é que Erídio estaria descansando logo após o almoço, quando tudo aconteceu. Aliás, nunca é demais lembrar que o refeitório da Vale ficava embaixo da barragem que se rompeu, ocasionando a morte de muitos funcionários.

;A gente se falava muito pelo celular, diariamente. Naquele dia, liguei para ele às 11h48, mas a ligação caiu. A tragédia ocorreu depois do meio-dia. Fiquei sabendo mesmo quando me avisaram;, diz Janaína, que, na comunidade Dandara, mora na Rua dos Palestinos. Agora, é tocar a vida, embora os dois nunca tenham feito plano de se casar. ;Fomos companheiros em momentos bons e difíceis.;

Nesse período de mais de mil dias entre Mariana e Brumadinho, o menino nascido em Sem-Peixe, órfão de pais aos 2 anos de idade, e irmão de Laércio, Almíria, Esmeralda, Israel e Ataíde conheceu o mar. Trabalhou por um tempo numa plataforma no Rio de Janeiro (RJ) e até fez um vídeo que postou no Facebook. ;E dizia que um dia levaria a Damares para ver o mar;. Com tanto para lembrar, Janaína não compactua da ideia de que tudo ocorreu por obra do destino, mas sim ;pela irresponsabilidade; da Samarco (controlada, no caso de Mariana, pela Vale e BHP Billiton) e da Vale, em Brumadinho.
Ele sempre se lembrava de ter escapado de Mariana. Até brincava sobre isso com a Damares, cheio de alegria. Isso significava um orgulho, uma vitória
Janaína Geraldiene Moura, viúva de Erídio Dias

Sinal de perigo

Por onde se ande e se olhe, há sempre uma placa indicando rota de fuga e com informações sobre como proceder em caso de rompimento de barragens. Esse quadro, comum a muitas cidades do Quadrilátero Ferrífero, está presente também no Bairro JK, em Igarapé, na Grande BH. ;Tem uma mineradora nesta região, dizem que está estabilizada;, conta o pedreiro Laércio Dias, de 46, casado, pai de três filhos e já avô. Primogênito de Maria Madalena, ele também culpa as empresas pela morte do irmão caçula, ao mesmo que vê aí um dedo do destino. ;Acho que não temos como correr da morte;, observa pensativo.

Na sala de casa, ao lado da mulher, Vivalda Oliveira Santos, e do filho Arthur, de 10, Laércio mostra a foto de Erídio na tela do celular e os olhos baixam. ;Ele ficou bem mais próximo de toda a família, sem falar na Damares, que adorava e queria muito que estudasse. Meu irmão passou também a ir mais a Sem-Peixe visitar nossa mãe, que o chamava de Guinho. Ninguém podia falar nada dele que brigava;, conta o pedreiro. ;Quando ele chegava a Sem-Peixe, ainda dormia no canto da cama da mãe. Tinha até prometido voltar no carnaval.;
Para Vivalda, casada há 25 anos com Laércio, o cunhado ficou diferente depois de sair vivo de Mariana, o que creditava à sorte. ;Parece que ele estava adivinhando alguma coisa. Um dia, fizemos um churrasco e ele avisou que não poderia vir. Mas depois veio, fez surpresa.; Jovem, boa pinta e sempre trabalhando em empresas diferentes, Erídio ficou com fama de namorador, o que não é negado pelo casal, que também enaltece o gosto enorme do soldador pelo trabalho. ;Valorizava o serviço, falava muito sobre a importância da solda e tinha feito um curso de inspeção nesse setor;, conta o irmão.

Laércio lembra da mudança para Belo Horizonte como forma de melhorar a vida. ;Minha mãe ficou viúva e, como eu era o mais velho, tive que ajudar a família. Depois, fui trazendo os irmãos para a capital e Laércio veio há uns 15 anos. Era um rapaz muito sossegado, falava pouco. Foi trabalhar em Brumadinho uns quatro meses antes da tragédia;, observa o irmão, citando o desejo do caçula de trabalhar nos navios no Maranhão. ;A previsão era de viajar no fim de março. Tinha até um pendrive com vídeos de como usar a solda naval;, revela Laércio.

Já na porta de casa, Laércio critica o longo período entre a tragédia e o sepultamento, devido à identificação do corpo. ;Foram quase dois meses até o enterro, que foi realizado em 20 de março, em Sem-Peixe, às 8h da noite. Foi muita gente de lá;, despede-se o pedreiro da equipe do EM, antes afirmando que ;minha mãe ficou muito triste, abalada...ela que amava tanto seu filho caçula;.

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